Soraia Costa *
Faltando pouco mais de um mês para a apresentação do relatório final da CPI dos Sanguessugas, o clima é de total desesperança entre integrantes da comissão. Além da certeza de que nenhum processo de cassação será concluído neste ano, por falta de tempo hábil para a aprovação dos relatórios no Conselho de Ética, a falta de quorum após as eleições tem dificultado a votação de requerimentos importantes tanto de convocação quanto de quebra de sigilo. Há 40 requerimentos e 29 convocações pendentes para votação desde 5 de setembro.
Após a conclusão das investigações com relação aos parlamentares envolvidos no esquema de compra superfaturada de ambulâncias, que resultou na abertura de processos de cassação contra 72 dos citados, a CPI deveria investir na coleta de informações sobre a participação do Executivo no esquema. Nesta segunda fase, a comissão também deveria apurar possíveis desmembramentos da máfia em outros ministérios, como os da Ciência e Tecnologia e Agricultura.
Até agora, no entanto, foram ouvidos apenas três ex-ministros da Saúde – Barjas Negri (PSDB-SP), Humberto Costa (PT-PE) e Saraiva Felipe (PMDB-MG) -, que nada acrescentaram às investigações; e a maioria dos membros da CPI vê poucas chances de o trabalho avançar nas próximas semanas.
O que será deixado de lado
Um dos requerimentos pendentes na pauta de votações é do deputado Júlio Delgado (PSB-MG). Ele solicita informações da Controladoria Geral da União sobre a compra de patrulhas mecanizadas pelo Ministério da Agricultura. Como revelou o Congresso em Foco, suspeita-se que os veículos também tenham sido superfaturados. Não bastasse a grande variação de preços pagos pelos equipamentos, 32 dos 72 parlamentares acusados pela CPI de envolvimento com a máfia das ambulâncias apresentaram emendas individuais para a aquisição das patrulhas (leia mais).
Tampouco foi aprovado o pedido feito pelo deputado Júlio Redecker (PSDB-RS) para ouvir as explicações de Christian Perillier Schneider, ex-assessor parlamentar do Ministério da Saúde. Ele revelou com exclusividade ao Congresso em Foco como o Palácio do Planalto mandou liberar R$ 26 milhões do orçamento para o PL (saiba mais).
É improvável, ainda, que a CPI aprofunde as investigações sobre a KM, apelidada por Luiz Antônio Vedoin, um dos principais operadores da chamada máfia dos sanguessugas, como "a Planam do Nordeste". Há fortes indícios de ligações entre a empresa e o ex-ministro de Ciência e Tecnologia e governador eleito de Pernambuco, o atual deputado federal Eduardo Campos (PSB). Para se informar mais a respeito, clique aqui.
A investigação sobre a participação do Executivo tem finalmente vários meandros esquecidos desde que estourou o caso da tentativa de compra do dossiê pelos petistas. Um dos principais elos perdidos é a conexão da máfia dos sanguessugas com as prefeituras. A comissão revelou possuir indícios de fraudes envolvendo 60 prefeituras. Até hoje, nenhum prefeito supostamente envolvido foi ouvido pela comissão.
A pressão do calendário
A reunião para a votação dos requerimentos está marcada para a próxima quarta-feira (14). Depois disso, a CPI terá apenas duas semanas úteis de funcionamento em novembro e duas em dezembro, antes da conclusão dos trabalhos. "Está marcado para o dia 14, mas não acredito que consigamos quorum por ser véspera de feriado. Não tenho esperança. Termina tudo semana que vem", profetiza Júlio Delgado, um dos sub-relatores da comissão.
Para ele, não há como evitar a impunidade de muitas pessoas envolvidas com irregularidades na movimentação de recursos orçamentários federais. "Nós temos que continuar cada um seu trabalho da maneira que é possível. Eu confesso que estou muito cético com relação a isso tudo. É um quadro nefasto", desabafa ele.
Ontem, a oposição praticamente ignorou a sessão da CPI em que foi ouvido o ex-ministro da Saúde Humberto Costa. "Não é acordo nem acórdão. É acordaço", protestou o deputado Júlio Redecker, que viu no fato um sinal de governistas e oposicionistas já condenaram a comissão à morte precoce. Também sub-relator da CPI, Redecker ameaçou ontem entregar a relatoria que lhe cabe, sobre os atos do Executivo, inconformado com a falta de votação dos requerimentos (leia mais).
"Nós estamos com dificuldades em relação ao tempo, porque para complementar os dados no que se refere à sub-relatoria do Executivo, precisaríamos da aprovação dos requerimentos que tratam da quebra do sigilo bancário e telefônico e da averiguação da movimentação financeira das instituições. Isso é fundamental", afirma.
Gabeira mantém otimismo
O mais otimista em relação aos rumos da investigação é outro sub-relator, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). Ele acredita que algumas cassações serão inevitáveis e lembra: "Uma parte considerável a gente eliminou nas eleições".
De fato, dos 72 parlamentares acusados pela CPI, apenas seis deputados – João Magalhães (PMDB-MG), Marcondes Gadelha (PSB-PB), Pedro Henry (PP-MT), Raimundo Santos (PL-PA), Welington Fagundes (PL-MT) e Wellington Roberto (PL-PB) – e dois senadores – Serys Slhessarenko (PT-MT), e Magno Malta (PL-ES) – continuarão exercendo seus mandatos na próxima legislatura. Dos outros dois senadores envolvidos, Ney Suassuna (PMDB-PB) não conseguiu a reeleição e Antero Paes de Barros (PSDB-MT), que está em fim de mandato, foi derrotado na disputa pelo governo estadual.
Ao final da atual legislatura, todos os processos de cassação serão arquivados. No próximo mandato, no entanto, qualquer parlamentar ou partido poderá solicitar a reabertura para os reeleitos.
Sub-relator no caso do dossiê e na questão da compra de ônibus superfaturados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, Gabeira garante que conseguirá concluir seus relatórios no prazo e diz que a maior dificuldade tem sido enfrentada na questão da saúde. Gabeira acredita que as investigações não resultarão em punição de ex-ministros, mas serviram como aprendizado para que a corrupção na saúde seja reduzida nos próximos governos.
"Ouvir os ministros possibilita ter uma visão geral e tirar sugestões, porque dificilmente vamos incriminar um ministro", diz ele. "Vamos tirar sugestões para que não haja tanta corrupção na saúde e prepararemos um relatório sobre isso", acrescenta o deputado.
Ele, admite, no entanto, que dificilmente os depoimentos que serão colhidos pela comissão antes da apresentação do relatório final trarão à tona informações novas. "Não espero grandes descobertas agora, mas espero que a gente consiga reunir uma espécie de massa crítica para evitar a corrupção no próximo governo. Evitar pelo menos nesse nível, porque a Organização Mundial de Saúde vem ao Brasil fazer um exame da situação da saúde no país e da corrupção e a gente vai tentar aproveitar esse movimento para dar uma mexida".
Dossiê Vedoin
O aparecimento do dossiê Vedoin às vésperas do primeiro turno das eleições aumentou ainda mais o trabalho e as dificuldades da CPI. Paralelamente às atividades da Polícia Federal, a comissão criou uma sub-relatoria com os deputados Gabeira e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) para investigar a origem do R$ 1,7 milhão encontrado com petistas no hotel Ibis Congonhas, em São Paulo. Na prática, os dois pouco poderão fazer a não ser acompanhar o trabalho da PF e de outros órgãos de investigação, como o Ministério Público Federal.
"A CPI hoje se debruça sobre a questão do dossiegate que tomou conta do noticiário em função até do interesse político-eleitoral. E esse interesse logicamente teria uma repercussão muito grande se fossem apresentadas novidades ou a realidade que a gente imagina que possa ter acontecido", diz o deputado Júlio Redecker (PSDB-RS). Para ele, o "governo empurrou com a barriga" as investigações "até depois das eleições".
Redecker se queixa do comportamento do presidente da CPI, deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). "A nossa apresentação dos requerimentos foi no dia 5 de setembro e o presidente da CPI marcou a próxima reunião para o dia 4 de outubro, quer dizer, trouxe um desgaste muito grande, porque foi um tempo precioso perdido", reclama.
Por tudo isso, a Polícia Federal é quem tem mais chances de avançar na apuração dos fatos. Ela trabalha em três frentes de investigação: a participação dos parlamentares na máfia das ambulâncias, a análise da origem do dinheiro do dossiê e o papel desempenhado por Abel Pereira, apontado como a ponte entre os sócios da Planam e o Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Barjas Negri. A CPI não pretende abrir uma sub-relatoria específica para investigar Abel Pereira, mas pretende ouvi-lo no dia 23, caso o requerimento do convite seja aprovado na reunião administrativa da comissão.
Com relação ao dossiê Vedoin, o relatório parcial da Polícia Federal que está sendo analisado pela CPI não chegou a iluminar os trabalhos investigativos da comissão, mas ajudou a traçar um esboço dos envolvidos. "Até o momento acredito que o Lorenzetti tinha um papel importante, o Hamilton Lacerda tinha um papel importante, agora o mais acima a gente só vai ver estudando a origem do dinheiro", resume Gabeira. Para Júlio Redecker, faltam provas para comprovar o envolvimento do "andar de cima".
Será possível chegar lá? Redecker teme que não: "Além dos parlamentares já conhecidos e que foram elencados no relatório parcial do senador Amir Lando, nós temos os membros do Executivo e os envolvidos na área privada. Agora, para produzir algo realmente expressivo e de acordo com as investigações necessárias, nós vamos ter que fazer o aprofundamento dessas investigações e cada dia é mais difícil porque o tempo é menor e o volume de dados a ser pesquisado é muito grande".
* Colaborou Lúcio Lambranho