Honrado pelo convite para ser colunista periódico aqui do Congresso em Foco, tentarei mostrar que o Legislativo nacional anda perdendo o foco dos grandes debates nacionais. Felizmente, porém, a anestesia do pensamento único, que vai dos grandes partidos aos editoriais dos jornalões e à seleção de notícias do telejornalismo, não é geral.
Gosto de repetir que o traço do arquiteto (tive a honra de conhecer meus conterrâneos socialistas Lúcio e Niemeyer) colocou o prédio do Congresso Nacional no centro da Praça dos Três Poderes para reiterar que poder legítimo é aquele que vem do povo. E aquele no qual sua representação acolhe as demandas populares, as processa e devolve em forma de ordenamento jurídico justo.
Mas o sistema político-eleitoral brasileiro impede que as maiorias sociais se tornem maiorias políticas. Daí as insuficiências de nossa dinâmica legislativa ou melhor, sua eficiência… para grupos hegemônicos tradicionais e excludentes.
Veja-se o acelerado debate sobre o salário mínimo. Ali houve contradição máxima: PSDB/DEM defenderam com ardor o que não praticaram quando foram governo, PT e aliados criticaram com veemência o que defendiam, quando na oposição. Ali houve grandes omissões, quebradas apenas pela reverberação do pequeno Psol.
A Constituição cidadã, com seu clarividente artigo 7º, inciso IV, andou ausente: ”É direito do trabalhador o salário mínimo, fixado em lei, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”.
O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de reconhecidamente sérios estudos, comprova que para o cumprimento desse preceito o valor do mínimo deveria ser R$ 2.227,53, mas os partidos hegemônicos fugiam dessa cifra incômoda como o diabo foge da cruz. Nem como meta a ser alcançada, ao longo dos anos, o mínimo constitucional foi citado…
O mesmo Dieese, outrora tão valorizado pelo PT, fez uma interessante série histórica desde o primeiro pagamento do mínimo, em 1940. Nela o bordão nunca na história desse país fica deslocado da atualidade: o salário básico do Brasil já foi bem maior que o atual na primeira metade dos anos 40, nos anos 50, 60… Os governos Getúlio, JK e Jango, em sua época, distribuíram mais renda que os de FHC e Lula.
PublicidadeA fixação do salário em R$ 545, é bom lembrar também, não representou plenamente sequer a reposição de perdas inflacionárias. Os 6,7% agregados nem de longe cobrem o aumento da cesta básica nos últimos 12 meses, que sofreu inflação de 15,8%.
Outra mistificação é a falta de recursos. Virou cantilena: Qualquer aumento significativo quebra a Previdência, quebra os municípios. Por dever de honestidade, esse argumento deveria aceitar, ao menos, ser cotejado com os recursos superavitários da seguridade social, com seus aportes da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sempre omitidos (R$ 58 bi em média, nos últimos três anos). E com o intocável pagamento de juros da dívida pública (jamais auditada, como também prevê a Constituição), cinco vezes mais elevado que o repasse da União a estados e municípios, comprometendo 44% do orçamento de 2011.
Causa estranhamento um Parlamento que, no fim da Legislatura passada, aprovou a toque de caixa (registradora?), sem qualquer preocupação com o efeito cascata, um aumento de 61% em sua própria remuneração, 130% na do presidente e 150% na dos ministros, equiparando-as com o significativo teto do Supremo Tribunal Federal (STF), ser tão parcimonioso e cauteloso, no alvorecer desta, com a elevação do salário mínimo.
Todos condenam o abismo sócio-econômico nacional, no qual os 10% de mais ricos ganham 40 vezes mais que os 10% mais pobres. O poder público devia dar exemplo de combate gradual e seguro a essas disparidades.
Salário mínimo não é questão exclusivamente técnica. Tem a ver com política econômica, cotejamento entre a valorização do capital e a do trabalho, distribuição de renda, projeto de desenvolvimento. De quebra, a Câmara decidiu abrir mão do debate dessas questões essenciais ao longo desta legislatura. Será que perdemos o foco do essencial no trabalho parlamentar?