A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 10, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 92/11, de minha autoria, que autoriza a retomada da cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) na exportação de bens minerais primários ou semielaborados, como minério de ferro e alumínio. Se aprovada em plenário, essa PEC tornará sem validade a famigerada Lei Kandir (Lei Complementar 87/96) em relação aos minérios e derivados, lei essa responsável pelo fato de o Pará ter deixado de arrecadar cerca de R$ 21,5 bilhões nestes 17 anos.
Antes da Lei Kandir, todos os produtos primários e semielaborados exportados pelo país sofriam uma tributação de 13% de ICMS, com faixas decrescentes na medida em que os produtos se tornavam acabados; estes não sofriam tributação. Com isso, o Estado desestimulava a exportação de commodities e priorizava a comercialização de produtos com alto valor agregado, estimulando o desenvolvimento da industrialização no país.
A Lei Kandir surgiu no âmbito de uma conjuntura econômica marcada por sucessivos resultados adversos na balança comercial nos anos posteriores ao início do processo de estabilização da economia com a criação Plano Real, na primeira metade dos anos 1990. Assim, de um superávit de US$ 10,4 bilhões em 1994, o Brasil passou a apresentar déficits de US$ 3,4 bilhões em 1995 e US$ 5,6 bilhões em 1996.
O argumento dos arautos neoliberais do governo FHC era de que a desoneração das exportações de produtos primários favoreceria a competitividade das empresas mineradoras. Mas o que foi vendido como uma medida temporária para equilibrar a balança comercial revelou-se uma peça chave na estratégia primário-exportadora do tucanato. Assim, sob o império do PSDB, a marcha para a desindustrialização do país – o tal ‘desenvolvimento dependente-associado’ de que falava, nos anos 1970, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso – tornou-se uma política de Estado.
A verdade é que, em razão dessas isenções fiscais nas exportações previstas pela Lei Kandir, o Brasil passou a ser considerado um dos países com uma das cargas tributárias mais baixas do mundo para o setor de mineração, segundo um estudo elaborado por Brian Mackenzie, geólogo da Universidade de Queen’s, de Ontário, Canadá. Essa situação de fato constitui uma vantagem enorme para a competitividade das empresas mineradoras, como a Vale, mas é danosa para os estados de origem da extração mineral, para o país e também para a maioria da população, que não recebe nenhum benefício por essa atividade e sofre com os problemas ambientais provocados pela exploração de riquezas naturais.
A situação dos Estados mineradores é particularmente ilustrativa dos efeitos deletérios da Lei Kandir. No Pará, segundo maior produtor do país depois de Minas Gerais, a atividade mineradora responde por cerca de 40% da economia paraense, mas a arrecadação de ICMS no Estado proveniente dela é pouco mais de 2,5%. E, em termos de receita total do Pará, o setor contribui com apenas 5%. Em 2012, por exemplo, a arrecadação da atividade mineradora no Estado foi de R$ 626,8 milhões (R$ 186,3 milhões de ICMS e R$ 122,5 milhões de Compensação Financeira pela Exploração Mineral – CFEM. Já o faturamento do setor, em 2011, foi R$ 30 bilhões só no Pará (mais de R$ 80 bilhões em todo o país).
Tal anomalia se reflete na situação do nosso Estado, que é uma das unidades da federação potencialmente mais ricas, mas ostenta um dos piores em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e de Coeficiente GINI (desigualdade social). Por outro lado, os números das grandes empresas exportadoras do setor mineral, disponibilizados nos relatórios e balanços anuais, evidenciam desempenho comercial e financeiro suficientemente consistente para assumir um ônus tributário sem que isso represente implicações adversas e relevantes sobre a competitividade do setor.
Por essas razões, é necessário aperfeiçoar nosso ordenamento tributário de modo a fazer com que este possa ter um papel expressivo na construção de objetivos sócio-econômicos progressistas, promovendo o alongamento da cadeia produtiva (com a verticalização da produção), a geração de empregos qualificados, a expansão qualitativa da pauta de exportações do país e, não menos importante, o equilíbrio fiscal federativo.