Raimundo Caramuru Barros *
A outorga do Prêmio Nobel da Paz ao atual presidente norte-americano, Barack Obama, preteriu mais de 200 candidatos que competiram em busca desse distinto e almejado reconhecimento. Ao anunciar a escolha efetuada pelo comitê, a quem coube assumir essa opção, o seu presidente deixou claro o propósito de apoiar a implantação da política externa do governo Obama: contrabalançar as pressões em contrário provenientes de segmentos do conservadorismo norte-americano que a ela se opõem.
Barack Hussein Obama nasceu em 1961 em Honolulu, no Havaí, um conjunto de 20 ilhas e de alguns atóis, no centro do Oceano Pacífico. Os Estados Unidos ocuparam esse arquipélago como colônia sua em 1898, constituindo-o, porém, como parte integrante do seu território em 1900 e como o 50º estado da federação americana em 1959. O pai de Obama era africano, oriundo do Quênia (África do Leste); sua mãe era natural do estado do Kansas, no meio-oeste americano. Evocando reminiscências infantis, Obama recorda que seu pai era “negro como piche e sua mãe branca como leite”.
Aos seis anos mudou-se com sua mãe para a capital da Indonésia, onde frequentou a escola elementar até os dez anos. Neste período não apenas aprendeu a língua oficial do país, que ainda hoje fala com relativa fluência, mas assimilou valores importantes que –segundo o seu próprio testemunho – marcaram profundamente toda a sua vida: aprender a conviver pacificamente em uma sociedade multirracial com grande número de etnias aborígenes, além dos migrantes chineses, indianos e árabes; aprender a integrar uma sociedade em um arquipélago formado por mais de 3 mil ilhas, com uma população falando 30 línguas e cerca de 250 dialetos, e professando diferentes credos religiosos.
Em 1971, regressou para Honolulu, no Havaí, onde ficou aos cuidados dos avós maternos. Em 1979, completou toda sua escolaridade de nível básico e médio. Nesse período, reforçou e consolidou os valores que começara a assimilar na Indonésia de como conviver em uma sociedade plural praticando o respeito mútuo. Essa experiência plasmou definitivamente sua personalidade e todo seu modo de ser.
Em 1979, transferiu-se para o continente a fim de cursar o ensino superior, passando por Los Angeles (1979/1981), Nova York (1981/1985), Chicago (1985/1988) e Cambridge, localizada no estado de Massachusetts – como parte do conglomerado metropolitano de Boston (1988/1991). Nesses 12 anos, Obama deparou-se com oportunidades surpreendentes, criadas por líderes que o precederam e conduziram uma luta de mais de um século em prol de uma integração racial mais democrática nos Estados Unidos.
Com efeito, no século XIX os Estados Unidos do Sul e os Estados Unidos do Norte seguiram caminhos divergentes. Enquanto o Norte aderiu às revoluções industriais e modernizou-se como sociedade, os estados do Sul dedicaram-se à atividade agropecuária em grande escala, com uma economia baseada na mão-de-obra escrava africana, nos moldes vigentes também no Brasil nessa mesma época. Essa disparidade acentuou-se e os estados do Sul partiram para formar uma confederação independente, separando-se da metade Norte.
Em virtude desse radicalismo eclodiu entre as duas regiões uma guerra civil sangrenta, denominada de Guerra Civil Americana, que durou cinco anos (1861 a 1865) e custou a vida de cerca de 600 mil pessoas. Com a derrota do Sul a unidade nacional foi assegurada e a escravidão, abolida. As sequelas da escravidão, porém, permaneceram ainda nos estados do Sul por algumas décadas.
Em meados do século XX, o pastor protestante afro-americano Martin Luther King deu início a uma campanha nacional e desencadeou um movimento não violento em prol da igualdade racial nos Estados Unidos. Em 1957, o movimento alcançou sua primeira vitória quando a Suprema Corte do país proclamou oficialmente que a segregação e discriminação existentes no transporte de passageiros eram ilegais. A segunda vitória veio em 1964 com a promulgação do Ato sobre os Direitos Civis, culminando com uma terceira vitória, quando da promulgação do Ato sobre os Direitos Eleitorais de Voto em 1965. Em 1964, Martin Luther King foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Em 1968, o paladino da igualdade racial nos Estados Unidos foi assassinado por um extremista do Sul.
Essas conquistas de Martin Luther King ensejaram a Barack Obama a oportunidade de dotar-se de uma extraordinária bagagem acadêmica em termos de conhecimento jurídico, de ciências políticas e de relações internacionais em universidades consideradas de elevado prestígio não apenas nos Estados Unidos, mas também em nível mundial, tais como a Universidade de Columbia (Nova York) e a Universidade de Harvard (Cambridge, Massachusetts).
Essas duas instituições acadêmicas fazem parte do grupo de oito universidades do Nordeste dos Estados Unidos que constituíram inicialmente a famosa Liga “Ivy”. São todas elas universidades privadas, frequentadas maciçamente pela elite americana e caracterizadas até pouco tempo atrás por abrigar indivíduos que pudessem ostentar as quatro qualidades resumidas na sigla WASP, ou seja: branco (em inglês, white), anglo, saxão, protestante.
Vale a pena salientar que a intelectualidade americana que dá suporte às universidades de maior densidade acadêmica – tanto na costa Leste como na costa Oeste, tanto no Norte como no Sul dos Estados Unidos – desfruta de uma visão sobre o país e seu papel no cenário mundial consideravelmente mais profunda, ampla e aberta do que a visão do americano médio que ocupa grande parte da estrutura do governo e do Congresso em Washington.
Esse perfil da personalidade, da trajetória política e do cabedal acadêmico de Obama ajuda a entender as mudanças substanciais que ele procura imprimir à política externa americana: liderança multilateral em vez de hegemonia centralizadora; diálogo com os países islâmicos, que representam uma população de um bilhão e meio de pessoas; mudanças substanciais na matriz energética, na busca e adoção de fontes sustentáveis e na redução sistemática dos combustíveis fósseis; desmantelamento das baterias de foguetes implantadas no Leste europeu, apontando para a República Federativa Russa e para seus aliados; não proliferação e redução progressiva das armas nucleares; fomento do diálogo para resolver os impasses que podem ameaçar a consecução desses objetivos.
* Filósofo e teólogo, com mestrado em Economia nos EUA, foi consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e atuou como especialista nas áreas de transportes, trânsito e meio ambiente, dedicando-se em seguida à assessoria de diversas organizações não-governamentais. É autor de Desenvolvimento da Amazônia – como construir uma civilização da vida e a serviço dos seres vivos nessa região (Editora Paulus, 2009), entre vários outros livros.
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