Se existe algo extremamente desagradável para mim, é ter de falar sobre irregularidades em concursos públicos. Infelizmente, é o caso de hoje, diante de tudo que aconteceu no concurso para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no último fim de semana. É inconcebível que tenham ocorrido falhas grotescas como as que foram denunciadas! Pior ainda foi a divulgação do gabarito antes de concluída rigorosa apuração dos fatos por parte tanto da patrocinadora como da organizadora das provas, a Cetro, cuja responsabilidade sobre o caso é total.
Por coincidência, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado tem na pauta de votações da próxima quarta-feira, dia 12, projeto de lei para regulamentar os concursos públicos de forma definitiva. Se aprovada, a lei poderá acabar com problemas como os que testemunhamos no concurso da Anvisa, que abalam a credibilidade da mais democrática forma de seleção de pessoal e causa inestimáveis prejuízos a milhares de pessoas que concorrem às vagas oferecidas. Por isso, é hora de mobilizar as forças daqueles que, como nós, defendem a moralidade dos concursos, e lutar pela aprovação do PL 74/10.
Eis o resumo do que aconteceu no concurso do último domingo. As provas foram aplicadas na manhã do dia 2, em todo o país. Segundo inúmeros candidatos, houve bastante confusão, o que levou alguns concorrentes a pedir que a seleção fosse anulada. Surgiram denúncias de problemas diversos na aplicação dos exames em várias cidades, como, por exemplo, falta de cadernos de questões e presença de erros nos cartões de resposta. No início da noite do dia 3, a Anvisa divulgou nota oficial em sua página na internet. O texto diz o seguinte:
“A Anvisa informa que recebeu hoje, às 15h, um relatório da empresa Cetro sobre problemas registrados em quatro cidades onde foi aplicada a prova do concurso público da Agência, realizada neste domingo em todo o país. As informações prestadas indicam a ocorrência de problemas operacionais e ainda não são suficientes para que se possa avaliar o impacto desses eventos sobre o certame. Diante disto, a Diretoria da Anvisa determinou que a empresa Cetro apresente em cinco dias úteis (11/06) um relatório consubstanciado detalhando as ocorrências registradas na Escola Vicente Januzzi, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, em Brasília, em Maceió e em Salvador, conforme as informações já prestadas nesta data pela própria empresa. A Anvisa reitera que adotará todas as medidas para esclarecer os fatos e garantir a transparência e lisura do concurso, em respeito aos mais de 125 mil inscritos.”
Esse é o reconhecimento expresso, por parte da patrocinadora do concurso, com base nas informações prestadas pela empresa que o organizou, de que a seleção está contaminada por falhas que comprometem todo o processo. Assim, não resta outro caminho senão a anulação integral do certame. Afinal de contas, está em jogo a vida de milhares de candidatos que investiram muito dinheiro e tempo de estudo numa extenuante preparação em busca de uma carreira pública que garantisse estabilidade para o resto da vida e remuneração inicial entre R$ 5.133,18 a R$ 10.392,20.
As provas foram aplicadas nas 27 capitais brasileiras. Vê-se logo que o concurso, de âmbito nacional, precisava ser organizado por empresa à altura da tarefa. Para nossa tristeza, parece não ter sido o caso. A Cetro se limitou a informar, em comunicado, que “fatos isolados foram observados e são objeto de apuração por parte desta organizadora. Tão logo esteja concluída esta averiguação, os candidatos serão informados através do site do Cetro. Aparentemente, e a despeito de toda a polêmica sobre a aplicação das provas, o concurso público para o preenchimento de 314 vagas continua em andamento, tanto que o gabarito foi divulgado, como se nada de anormal tivesse acontecido.
“Qual é a probabilidade de esse concurso ser anulado pela Anvisa?”, muitos concurseiros me perguntam pelo Facebook. Respondo que é muito pequena, porque a Anvisa é mais sensível a pressões de natureza política. Embora isso seja incoerente com o modelo teórico e institucional das agências reguladoras, para ser bem realista, é fato que o Ministério da Saúde quer que o registro de medicamentos seja mais célere. Trata-se de pressão dos grandes laboratórios. Pressão, aliás, em boa parte lícita, já que a demora no registro acaba se tornando uma barreira burocrática à entrada do remédio no mercado. Portanto, a anulação do concurso representaria um alto custo econômico e político no exercício da autotutela pela Anvisa. Creio que a agência só optaria por essa medida radical ante a presença de fortes evidências e grande pressão do Ministério Público, por exemplo.
O papel da quem, como nós, cuida da preparação e da defesa dos concurseiros deve ser o de buscar a anulação, para que as provas sejam reaplicadas em obediência à lei e aos demais princípios do Direito Administrativo. No entanto, acho que a Anvisa só anulará o concurso se as denúncias de vazamento de provas e outras irregularidades, como celulares em sala etc., forem mais substanciais e não puderem ser abafadas. O Cetro está tentando é ganhar tempo. Essa história de “elaborar relatórios” e a alegação de que houve apenas “fatos isolados que estão sendo apurados” servem apenas para tirar o caso do foco da mídia.Eis por que é tão importante a mobilização popular para defender a aprovação do PL 74/10, de nossa autoria e apresentado àquela Casa legislativa pelo ex-senador Marconi Perillo (PSDB), hoje governador de Goiás. Para que todos sejam capazes de avaliar a importância da proposta, transcrevo sua justificativa, com um resumo do conteúdo onde são apresentadas as ideias básicas que nortearam o projeto:
“Hoje existem mais de doze milhões de brasileiros que, ano após ano, se preparam para ingressar nas carreiras públicas por meio de concurso de provas ou de provas e títulos, mas, lamentavelmente, são forçados, muitas vezes, a recorrer à Justiça comum por não existir uma lei com critérios claros e objetivos para disciplinar a realização de concursos públicos no Brasil.
Embora o governo federal tenha publicado decreto no sentido de regular a matéria, entendemos que há diversos aspectos, ainda, a serem disciplinados, razão pela qual se torna necessária e oportuna a apresentação do presente projeto de lei. A intenção é estabelecer um conjunto de normas para garantir a transparência e isonomia dos processos seletivos e proporcionar, assim, condições de disputas iguais aos candidatos. Questões como a contratação de empresas para a realização de concursos por meio de editais e a proibição de formação de cadastro de reserva precisam ser regulados. Já passamos da hora de estabelecer prazo mínimo mais elástico entre a publicação do edital e a realização do concurso público, para possibilitar condições de preparação razoável para os candidatos. Além dos critérios de aprovação e reprovação nas provas objetivas e discursivas, tem-se mostrado necessário exigir os comentários das Bancas Examinadoras dos gabaritos oficiais, para possibilitar que os candidatos possam entrar com recurso quando for o caso e receber respostas diretas, concisas e objetivas, sem padronização.
Dois são, decerto, os aspectos mais importantes desta lei que submetemos à apreciação de nossos pares, a quem pedimos apoio para a aprovação. De um lado, a contratação das empresas para a realização dos certames passa a ser por licitação, o que resultará em economicidade para os cofres públicos, ao mesmo tempo em que se asseguram critérios claros de segurança para a realização. De outro, é previsto a pena de reclusão para quem fraudar os concursos, de certo um mecanismo que deverá coibir os delitos praticados contra a instituição do concurso, um dos mecanismos mais democráticos existentes no país. Cremos, portanto, que a sociedade ganhará em muito com a aprovação deste projeto de lei, e os candidatos poderão planejar melhor os estudos bem como ter a certeza de que, uma vez aprovados, terão direito assegurado à nomeação.”
Aí está, caros amigos leitores e concurseiros, meu recado desta semana para todos vocês que esperam seriedade e honestidade nos concursos em que vão concorrer. Como coordenador do Movimento pela Moralização dos Concursos (MMC), reitero o convite para que todos participem da grande mobilização em defesa da aprovação do PL 74/10 na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na certeza de que, assim, estarão no caminho certo para a conquista do seu FELIZ CARGO NOVO!
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