Recentemente a presidente Dilma Rousseff voltou ao discurso que aborda o aumento de eficiência na gestão pública. O assunto vem desde a campanha, e ganhou corpo com a instalação, em maio deste ano, da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, que visam permitir ao governo e às empresas elaborar conjuntamente boas práticas de administração.
No entanto, o olhar da presidente, e certamente dos membros da iniciativa privada, é funcionalista. Segundo Dilma: “queremos economizar e, ao mesmo tempo, oferecer serviços cada vez melhores ao cidadão. Estamos procurando soluções para melhorar o funcionamento das escolas, dos hospitais, para construir estradas mais baratas e melhores, e para evitar desperdícios.”
Busquei com afinco na internet algum resultado dos sete meses de trabalho da tal Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, e nada encontrei. Por isso, é difícil apoiar ou criticar seu trabalho. Mas, pelas citações da presidente, e pela cabeça da iniciativa privada e dos tecnocratas públicos, é difícil que o enfoque e os resultados não estejam baseados naquilo que Wayne Parsons chama de “produção de políticas baseada em evidências”, que se fundamenta no velho e desgastado enfoque da escolha racional, com alguma pitada de institucionalismo.
As suposições dessas escolas não são uma inutilidade. O governo precisa, e muito, de parâmetros, das estratégias da racionalidade-objetiva. Mas acho difícil que a turma da pesada da iniciativa privada que compõe a câmara não tenda a propor à presidente alguma coisa que não seja uma espécie de “gerencialismo de resultados.”
Não precisamos de gerencialismo, não precisamos de algum argumento do tipo “O Monge e o Servidor Público”, ou outros semelhantes, tão abundantes nos modismos da administração de empresas. O que falta para melhorar a gestão pública é justamente isso: gestão.
Uma gestão que seja acima de tudo política, mas também informada pela técnica. Que promova diálogo com as diversas partes interessadas, e seja construtora do bem-estar social. Quando se tenta transformar a política pública em administração privada, o resultado cheira mal.
Insumos fornecidos por empresários podem ser interessantes, mas, de novo, o cerne do problema não está em um campo que os administradores privados possam colaborar e assim ajudar o governo a superar as causas-raízes da má gestão. A contribuição deles é interessante, mas em um segundo momento. Começar por ela é um erro.
PublicidadeUma boa parte das disfunções atuais do setor público no Brasil advém de uma mistura histórica de patrimonialismo com coronelismo, mais um excesso de politicagem “estadocêntrica”, parcialmente modificada pelo neoliberalismo, e, claro, muita corrupção.
A partir de um olhar sobre a construção de políticas “no chão”, ou seja, como ela ocorre no Brasil, na prática da administração federal, seguem nove sugestões para a melhoria da gestão pública. Elas não estão organizadas por teoria, método ou enfoque político. São, apenas, um conjunto de sugestões mais ou menos articuladas entre si. Mas, às vezes, o simples e óbvio é que faz a diferença! Por isso, é melhor a presidente Dilma começar pelo começo.
1. Capacitação do Gestor Público – Uma boa parte dos problemas e conflitos na administração pública derivam do fato de que pessoas colocadas em cargos de decisão não são bons gestores. Muitas vezes são bons técnicos, outras vezes são bons políticos. Raramente são as duas coisas ao mesmo tempo. E quando são bons políticos, estão ali implementando as suas agendas, e não necessariamente a agenda prioritária da política pública. O que pode ser feito? Capacitação do servidor e, em especial, das pessoas em cargo comissionado, inclusive (e especialmente) as senhoras e senhores ministros de Estado, e todos aqueles em cargos comissionados. Essa turma, sempre com alta rotatividade, faz um grande estrago na gestão pública.
2. Sistemas de Incentivos e Cobranças – Hoje, nada acontece com o servidor público que executa mal suas funções, enrola e trabalha pouco. Já aquele que é bom funcionário… o que é que ele ganha? Mais trabalho. Só isso. Para melhorar, a administração pública necessita de um sistema de recompensas para o bom, e de alguma forma de pena para o malandro, para o sem compromisso.
3. Mapeamento de Decisões Pendentes – É comum os órgãos públicos “empurrarem com a barriga” decisões sobre temas que são politicamente difíceis e custosos, ou sobre temas nos quais exista elevado grau de polêmica interna ou externa. O resultado é que muitos processos ficam paralisados, gerando conflitos em grande quantidade e intensidade. Mapear esses “esqueletos no armário político” é um dos primeiros passos para desencalacrar a gestão pública.
4. Sistema de Indicadores e Aprendizado – As políticas são concebidas sem indicadores de resultado, até porque qualquer resultado ruim é escondido. Assim, não se conhecem os reais resultados, e, mais importante, não se aprende sobre eles. Por isso, a gestão pública sempre tende a buscar resultados numericamente impressionantes, ainda que a qualidade daquilo entregue à população seja sofrível.
5. Auditoria Estratégica e de Qualidade – Se o controle sobre o Executivo fosse bom não haveria essa festa de corrupção. Os órgãos de controle olham para o detalhe, demandam muito tempo e paciência, muita paciência, dos gestores públicos. Controlam o detalhe, e deixam uma boiada de corrupção passar. A auditoria de contas e a Controladoria deveriam promover accountability estratégica. Ou seja, olhar mais para os critérios da decisão e para existência de formas de checagem e verificação (checks and balances) já consagrados em países nos quais a gestão pública é eficiente e a corrupção baixa. Não é necessário reinventar a roda. Olhem para a Nova Zelândia e para a Finlândia, entre outros.
6. Redução de Disparidades entre Carreiras – A criação da figura fictícia de “carreiras típicas de Estado” trouxe um enorme dano à gestão pública. Trata-se de uma visão do Estado e de seus instrumentos de política a partir do olhar da iniciativa privada. A universalização de direitos, responsabilidade do Estado, requer, necessariamente, que o conjunto do funcionalismo público opere sob condições semelhantes. As diferenças entre carreiras não precisam ser eliminadas completamente, mas, falando francamente, não é correto e benéfico manter as disparidades existentes em termos de salários, benefícios e vantagens.
7. Transparência e Diálogo – O governo do Brasil tem melhorado, e muito, a sua transparência ao colocar à disposição da população dados sobre seus gastos e sobre o resultado de suas decisões. Quer saber quanto um município recebeu de royalty de petróleo, por exemplo? Está lá na Internet. Mas e-governo não é a mesma coisa que governo aberto. O primeiro é isso: informatização. O segundo é diálogo, é fazer uso dos instrumentos de informação e comunicação para dialogar com a sociedade. E isso falta, e muito, ao governo federal.
8. Treinamento Estratégico – A maior parte dos órgãos públicos não possui um programa permanente de treinamento para seus servidores. Quando existem, esses programas não incluem uma visão estratégica: pautam-se por incluir o maior número de servidores em uma sala de aula, e não em treinar indivíduos que possam ser multiplicadores internos. Também falta uma discussão participativa dentro dos órgãos sobre temas prioritários, bem como uma metodologia de avaliação dos resultados da capacitação.
9. Reformulação do Papel do Ouvidor – O ouvidor deixou de ouvir, de transmitir informações estratégicas. Virou um despachante de reclamações. Mas políticas públicas são essencialmente conflituosas. O processo de formulação de políticas e os interesses que buscam interferir no processo, com legitimidade, supõe-se trazem em si disputas e conflitos, que podem ocorrer por meio de barganhas ou de busca de consenso. Os ouvidores públicos deveriam ser capazes de interpretar reclamações e de traçar estratégias para que o gestor público possa atuar na causa-raiz das disputas e conflitos que emergem na forma de reclamações, entre outras formas que não chegam aos ouvidos do ouvidor.