Raporte à nossa coluna Do Poder Jovem, que aborda o início do Movimento de Madison, como agora é chamado pela imprensa norte-americana, e como este é simbolicamente importante (para quem tem preguiça de abrir o link, trata-se do protesto de milhares de pessoas, principalmente estudantes, professores e funcionários públicos, reunidos em Madison, Winsconsin, contra um projeto de lei apresentado pelo novo governador republicano Scott Walker, cujo objetivo é cortar gastos do orçamento estadual através da supressão de direitos trabalhistas em todo o Estado. O suposto equilíbrio das contas do Estado ocorreria com a anulação dos convênios coletivos com os funcionários públicos.), a coisa está tomando um rumo para além do evento meramente simbólico: o movimento, que começou em fevereiro, prossegue em março, incorporando mais e mais pessoas que chegam de todo o país.
A propósito, Bernard Cassen, articulista do Le Monde Diplomatique, comenta uma sintomática matéria do The Economist o sancta sactorum do pensamento neoconservador ocidental A próxima batalha. Rumo ao confronto com o setor público. O texto, duma simplicidade olímpica, se resume em três tópicos: 1) todos os estados europeus têm déficits públicos abissais; 2) para reduzi-los, só reduzindo o número de funcionários, os salários e os sistemas de pensões; 3) os governos ganharão facilmente a opinião pública incentivando a denúncia dos privilégios (em especial a estabilidade no trabalho) dos acomodados do setor público, que supostamente vivem a custa do conjunto dos contribuintes.
Ora, em nenhum momento o texto recorda que os déficits públicos são em grande parte consequência das ajudas colossais aos bancos e outros responsáveis pela crise atual, tampouco que aumentaram devido às isenções fiscais outorgadas aos ricos. Nem sequer se deixa claro que, em troca de seu salário, os funcionários prestam serviços indispensáveis para o bom funcionamento da sociedade, sobretudo os professores, especialmente atacados na matéria, quando diz: 65 anos deveria ser a idade mínima para que essa gente, que passa a vida em uma sala de aula, se aposente.
Ideologicamente, os liberais são hostis aos funcionários e demais assalariados do setor público. Em primeiro lugar, porque retiram o setor privado de novos espaços de lucro. Em segundo, porque, protegidos por seu estatuto, podem ser socialmente mais combativos que seus companheiros do setor privado, ao ponto de fazerem greves por delegação, representando os trabalhadores do setor privado que não podem fazê-las.
É esta solidariedade que os neocon querem destruir a todo custo para reduzir a capacidade de resistência das populações contra os planos de ajuste e de austeridade implementados em toda parte. Os déficits públicos constituem um pretexto para incentivar os conflitos sociais em detrimento do mundo do trabalho. Defender os serviços públicos é defender o único patrimônio do qual (ainda) dispõem as categorias mais pobres da população. Assim, a aposta na caça aos funcionários públicos e seus sindicatos proposta por The Economist não é financeira, mas ideológica.
Aliás, o desmanche e a consequente produção de um Estado oco, vazio, é o balizamento último do projeto neoconservador na elaboração de um Estado Corporativo cuja principal função (além da policial) é repassar o dinheiro dos contribuintes direto para as corporações, ficando assim unidos, Estado e Corporações, contra o Terceiro Setor dos trabalhadores e o resto da população. A propósito, lembramos que a construção de um estado oco foi a maior contribuição do governo de George W. Bush ao povo americano, ao mundo e à história. Enfim, a democracia sem povo.
Voltando a Madison, o cineasta Michael Moore resume admiravelmente a atual situação: “Fomos vítimas de um golpe de Estado financeiro. Para nós (o povo norte-americano), admitirmos que deixamos um pequeno grupo roubar praticamente toda a riqueza que faz andar nossa economia, é o mesmo que admitir que aceitamos, humilhados, a idéia de que, de fato, entregamos sem luta a nossa preciosa democracia à elite endinheirada: Wall Street, os bancos, os 500 da revista Fortune governam hoje essa República.
O presidente Roosevelt, que ainda sabia dar nome aos bois, chamou este de Estado Fascista, você chamaria do quê?