Marcos Magalhães*
Milhões de pessoas sofrem todos os dias em engarrafamentos nas grandes cidades brasileiras. Outros tantos dependem de precários serviços de educação e saúde oferecidos pelas prefeituras. Este deveria ser o momento, seis meses antes da escolha dos próximos prefeitos, de se promoverem amplos debates sobre os grandes problemas urbanos do país.
Mas as eleições municipais quase sempre são tratadas, no Brasil, como uma espécie de ante-sala das eleições seguintes. Ou seja, o importante para muita gente não é a busca de soluções para as questões urbanas, mas sim que candidato a presidente da República será beneficiado pelos resultados das urnas deste ano.
Os problemas urbanos são tão urgentes, em países ricos e pobres, que a revista inglesa The Economist acaba de dedicar uma ampla reportagem às eleições que renovarão, neste ano, os mandatos dos prefeitos de Londres e Paris. Lá como aqui, é verdade, comenta-se o significado político mais amplo de cada resultado. No momento em que os conservadores voltam a ganhar espaço na Inglaterra, Londres seguirá à esquerda, reelegendo Ken Livingstone? E a reeleição do socialista Bertrand Delanoe não terá sido, por sua vez, um sinal de que será breve o reinado de Nicolas Sarkozy?
Por importantes que sejam, porém, as especulações simplesmente políticas ganham pequeno espaço na reportagem da revista inglesa. The Economist busca mesmo é estabelecer um debate sobre o futuro das duas maiores capitais européias. Em comum, recorda a revista, as campanhas de ambas foram marcadas por temas como o preço das moradias, a redução das emissões de gás carbônico, o desestímulo ao uso de carros, a proteção ao meio ambiente e, naturalmente, a imagem que as duas cidades pretendem projetar de si mesmas para o resto do mundo.
E imagem, nesses dias, conta bastante. Sedutora como sempre foi, Paris continua atraindo milhões de turistas para seus cafés, museus e avenidas. A cidade sente falta, porém, de maior vitalidade, como reconheceu o próprio Sarkozy em visita a eleitores franceses que vivem na capital da Inglaterra.
Londres, por sua vez, esbanja vitalidade. Atraiu fortes investimentos, após a desregulamentação do setor financeiro, e cobra impostos menores que os impostos médios europeus. Acolheu os mais ousados projetos de arquitetura que lhe deram uma aparência ainda maior de cidade global. Nada menos que 30% de seus habitantes são estrangeiros.
A competição entre as duas cidades pode fazer lembrar aos brasileiros a antiga rivalidade entre São Paulo e Rio de Janeiro. São Paulo, como Londres, hoje tem muito mais vitalidade do que a capital fluminense. E o Rio, como Paris, continua atraindo com seu charme turistas de todo o mundo, apesar de seus grandes problemas. Ao alimentar a rivalidade, porém, poderíamos acabar fechando os olhos para desafios que as duas cidades enfrentam. Tanto elas como outras grandes metrópoles brasileiras.
Os problemas de moradia, como demonstra a proliferação de favelas, são muito mais graves aqui do que na Europa. E ainda não existe uma política nacional, digna do nome, para enfrentar essa questão. Os serviços de saúde e educação ainda têm muito que melhorar, mesmo nas cidades mais ricas do país, antes de chegar a padrões aceitáveis do ponto de vista internacional.
Os problemas de poluição das maiores aglomerações urbanas brasileiras já são semelhantes aos das grandes cidades européias, norte-americanas e asiáticas. E, no entanto, ainda não há um político capaz de levantar um debate sobre a proposta de se cobrar um pedágio sobre os carros que circularem nos centros de grandes cidades, como São Paulo. Londres já cobra esse pedágio. E investe o dinheiro arrecadado na melhoria do transporte coletivo. Não parece razoável? Poucos políticos, porém, ainda parecem dispostos a arriscar os votos da classe média, aderindo a propostas como a do pedágio urbano.
Por fim, chegamos à questão da imagem. Como as maiores cidades brasileiras querem ser vistas pelo resto do mundo? Até hoje, para sermos honestos, o resto do mundo não presta tanta atenção assim ao Brasil e a suas capitais. Em breve, porém, teremos uma ótima vitrine diante do planeta: a Copa do Mundo de 2014. Dentro de seis anos, pelo menos dez cidades do país receberão jogos da Copa – e as imagens dessas cidades serão exibidas via satélite para todo o mundo. Será um risco ou uma oportunidade? Os dois, naturalmente.
Depois da reconquista da democracia, da estabilização da moeda e da retomada do crescimento econômico, o Brasil terá a primeira grande chance de se divulgar diante do restante do planeta. E os próximos quatro anos, que coincidirão com os mandatos dos prefeitos eleitos em outubro, serão fundamentais para se estabelecer no país uma infra-estrutura física e social capaz de ajudar o país a projetar uma nova imagem no cenário internacional.
A agenda para os próximos anos deveria incluir grandes esforços para a urbanização de favelas, a melhoria dos serviços urbanos, a redução da pobreza e a ampliação da oferta de transportes públicos de qualidade. O primeiro teste deverá ser
Cenário mais provável da grande final, o Rio também terá de se transformar para a Copa. As obras promovidas pelos governos federal e estadual, de reurbanização de favelas, são um bom começo. Assim como
Uma outra capital européia, Berlim, soube bem como usar a seu favor a realização da Copa do Mundo, há dois anos. Ainda não chegou ao patamar de Londres e Paris, mas já se impõe como uma cidade de crescente importância no mundo. Rio, São Paulo e outras capitais também terão a sua chance. E o momento não poderia ser mais propício para se iniciar um grande debate sobre o futuro das grandes cidades brasileiras.