Mário Coelho
Um dos principais temas de campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos da América era "Change: we can believe in" (Mudança: nós podemos acreditar nela). Entretanto, analisando as medidas econômicas tomadas pela equipe do democrata e do presidente anterior, o republicano George W. Bush, até agora o que existe é continuidade e conservadorismo. Além disso, Obama precisa apresentar projetos para regulamentar o setor financeiro, um dos pivôs da crise financeira mundial.
Analistas consultados pelo Congresso em Foco apontam que o presidente norte-americano optou por uma linha com menos resistência política, possível de ser aplicada com rapidez e com pouco desgaste político. Por conta disso, a regulamentação do setor financeiro fica por enquanto somente na promessa.
"O governo coloca dinheiro no sistema financeiro, mas não se responsabiliza pelo controle. É uma posição retrógrada do presidente", opinou o especialista em economia internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Reinaldo Gonçalves.
Os entrevistados veem com ceticismo a medida tomada na última terça-feira por Obama. Após a descoberta de que várias empresas de Wall Street distribuíram generosos bônus aos seus executivos, mesmo com a crise instalada, a Casa Branca determinou que quem tiver ajuda do governo deverá obedecer a um teto de remuneração.
"Essa é uma medida midiática, que tem quase nenhum impacto para solucionar os problemas. Obama deixa para um segundo momento a necessária regulação do setor", afirmou o consultor da Trevisan Consultoria e Escola de Negócios Sidney Ferreira Leite.
Leite aponta que Obama apresentará um projeto de regulamentação para o setor quando tiver uma situação política mais forte. O consultor lembra que o ex-presidente Bill Clinton (1993-2001), ao tomar posse, também enfrentou um cenário de recessão econômica. A situação não era tão ruim quanto à atual, mas o democrata recebeu o rescaldo da administração Ronald Reagan (1981-1989), autor da frase "o Estado não é a solução, é problema". "Aqueles foram anos de farra da especulação financeira, da geração yuppie", lembrou Leite.
"A necessidade de regulamentar o setor é muito grande", concorda Gonçalves. Ele classifica o teto na remuneração como "alegoria carnavalesca", que não tem outra função a não ser aparecer bem na mídia. "O executivo pode ganhar US$ 1 milhão ou US$ 50 milhões por ano, isso não importa. Se não houver uma crescente regulamentação do sistema, as práticas oportunistas que ajudaram a criar essa crise vão continuar", continuou.
Ajuste fiscal
Até agora, Obama ainda não conseguiu aprovar seu grande plano para superar a crise. O projeto que injetará mais de US$ 900 bilhões está em apreciação no Senado, após ser aprovado pela Câmara dos Representantes na semana passada.
Deste total, US$ 275 bilhões vêm na forma de corte de impostos, o restante em obras e financiamentos públicos. Para o professor da UFRJ, esse pacote deveria incluir uma reforma tributária. "Obama tem que fazer uma reforma tributária, taxar as grandes riquezas. Diminuir os impostos não vai resolver o problema", disse Gonçalves.
O consultor da Trevisan aponta que Obama precisa mudar o foco de atenções do setor financeiro para o produtivo. "É preciso uma intervenção dura do governo para promover distribuição de renda", disse. Durante a campanha, os rivais do presidente dos EUA diziam que ele iria taxar os mais ricos para beneficiar os mais pobres. Apesar dos US$ 275 bilhões em renúncia fiscal, o democrata ainda não deu sinais de que fará uma reforma no setor.
Continuidade
Comparadas as medidas tomadas pelos governos Bush e Obama, os analistas identificam uma linha de continuidade. "Ele assumiu uma posição retrógrada", opinou o especialista da UFRJ. Reinaldo Gonçalves afirmou que os países europeus, especialmente a Inglaterra, tiveram uma posição mais forte do que os EUA durante a crise. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, ao mesmo tempo em que estatizou parte das instituições financeiras, aumentou o controle do Estado sobre a área. "Bush desenvolveu a estabilização do sistema financeiro que Obama seguiu", comentou.
Gonçalves entende que a solução para a crise não depende apenas do governo e das medidas que Obama tomará daqui para frente. O setor privado é um dos fatores para que a recessão acabe.
"O setor privado tem que agir. Depois, a confiança dos consumidores vai contribuir para a resolução da crise. E, por último, o impacto direto e indireto dos gastos do governo", formulou. Para ele, é preciso torcer para que os EUA saiam logo do buraco. "Ou então países com economias mais frágeis, como o Brasil, vão sofrer os efeitos por muito tempo."
Para o consultor Leite, as medidas continuístas seriam reflexo da falta de confiança de Obama na máquina governamental. Por isso, analisa que Obama está sendo conservador na sua abordagem econômica. Em artigo publicado ontem (5) no jornal The Washington Post, o democrata advertiu o Senado de que demorar para aprovar o pacote pode levar o país a uma recessão irrecuperável. "Ele viu que a crise é maior do que há três meses", finalizou Leite.