De casa do povo a casa dos escândalos, as referências mais comuns ao Congresso podem não ser tão contraditórias quanto parecem à primeira vista. O Parlamento brasileiro, que nos últimos anos também abrigou sanguessugas e mensaleiros, apenas reflete costumes sociais reproduzidos no dia-a-dia pelo brasileiro em geral.
Essa é a avaliação de cientistas políticos ouvidos pelo Congresso em Foco a respeito do aparente divórcio entre a sociedade e os parlamentares, aprofundado após as denúncias envolvendo a última legislatura.
“Nós temos o Congresso que merecemos”, afirma o cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília (UnB). Segundo ele, as pessoas tendem a ser exageradamente flexíveis com suas próprias transgressões e a chamar de corrupção a transgressão dos outros. “O que fizeram os sanguessugas e mensaleiros difere apenas em grau do que fazemos em nosso cotidiano”, diz.
Para Kramer, a “cultura nacional” de obter vantagem em tudo, o “jeitinho brasileiro” levado às suas últimas conseqüências e o incorrigível desrespeito às leis, que ocorrem no dia-a-dia nas ruas, são apenas reproduzidos no Legislativo. Essas práticas podem variar, por exemplo, desde a tentativa de subornar um guarda de trânsito para evitar uma multa até a oferta do voto em troca de um emprego no serviço público.
Por isso, adverte Kramer, não há reforma política capaz de salvar o Congresso sem que ocorra, antes, uma mudança cultural. “O brasileiro não consegue conviver com a igualdade de direitos, está sempre tentando burlar as regras e buscando vantagens pessoais. Isso se reflete na conduta dos parlamentares”, observa. “O problema principal que temos que encarar é a igualdade de direitos”, reforça.
Congresso em concordata
O problema é cultural também na opinião do consultor político Murillo de Aragão, para quem a melhoria do Parlamento brasileiro só se dará se houver “uma total revisão, uma revolução”.
“Não tenho postura golpista, mas o Congresso como está hoje não atende às necessidades da nação. Do jeito que está, é inútil, é apenas uma alegoria. Não defende a cidadania, apenas as corporações e seus interesses. Não promove as discussões necessárias”, argumenta.
Murillo ressalta que a grande agenda do Congresso tem sido discutir o orçamento, mas “de forma obscura e não republicana”. “O Congresso é uma instituição falida, ou melhor, em concordata, porque falida é quando ela fecha. Ele quase não exerce a função legislativa, porque é entupido de medidas provisórias, mal fiscaliza e não faz debates de qualidade”, afirma.
“Em estudo comparado, percebemos que a variável de um sistema que o faz funcionar ou não é a cultura do povo. Nos países com boa educação e boa cultura civil, o sistema funciona. Por isso, o que é eficiente na Noruega pode não ser aqui”, explica o cientista político Octaciano Nogueira.
Pesquisa Ibope/Opinião divulgada pela revista Veja no último dia 27 (leia mais) mostra que 84% dos entrevistados consideram que os parlamentares brasileiros trabalham pouco e que 52% acreditam que não passa de 10% o índice de bons deputados e senadores do país.
O resultado do levantamento é ainda mais desolador quando são observados os adjetivos usados pelos entrevistados para classificar os seus representantes. Pela ordem: desonestos (55%); insensíveis aos interesses da sociedade (52%); e mentirosos (49%).
A pesquisa reflete o descontentamento generalizado do eleitor principalmente com a última legislatura, recordista em envolvimento com irregularidades. Ao todo, 105 congressistas – um em cada cinco – foram denunciados ao Conselho de Ética por quebra de decoro no decorrer dos quatro anos. Apenas quatro (3,7%) deles foram cassados (leia mais).
Orçamento gigantesco
Além dos sucessivos escândalos políticos, os elevados gastos do Legislativo também estão entre os principais alvos das críticas (leia mais). “Temos o maior Congresso do mundo. São 30 mil funcionários (17 mil na Câmara e 13 mil no Senado). É um número excessivo de parlamentares, e quanto maior o tamanho, menor a eficiência do sistema”, observa Octaciano.
Embora tenha o menor orçamento entre os três poderes no âmbito federal, o Congresso movimenta recursos que causam inveja a qualquer prefeito de grande cidade brasileira. A lei orçamentária prevê este ano para o Legislativo R$ 7,17 bilhões (R$ 3,4 bilhões para a Câmara; 2,7 bilhões para o Senado