Celebrou-se, recentemente, o anúncio de que o Brasil se tornara a sexta maior economia do mundo, ou o sexto maior PIB. A celebração ocorreu embora já se soubesse que é equivocado tomar o crescimento do PIB como sinal de sucesso. Se o PIB não serve, qual a alternativa?
Fala-se muito no IDH, ou Índice de Desenvolvimento Humano. Embora melhor que o PIB, pois considera, além de valores monetários, condições de vida da população, este indicador também é falho, por diversas razões, entre elas o fato de ser simples ou sintético demais. Outra alternativa é o “PIB verde”, ideia interessante, porém carente de meios práticos de execução, pois não é fácil transformar em valor monetário, por exemplo, a quantidade de poluição emitida numa determinada cidade, valor este a ser deduzido do “PIB”. Há alternativa?
Antes de tudo, é preciso deixar claro que o que se pretende, com qualquer desses indicadores, é retratar algo bastante complexo: a variação na qualidade de vida de uma população. Qualquer solução simples para algo tão complexo tenderá a levar a resultados falsos. Nesse sentido, é bom lembrar que o famoso Bernard Shaw disse uma vez que todo problema complexo tem uma solução que é simples, rápida e falsa! O mesmo se aplica a tais “indicadores sintéticos”.
Para exemplificar: as estatísticas mostram um grande aumento do número de brasileiros que viajam ao exterior; não informam, porém, quantos brasileiros diferentes – ou quantos CPFs distintos, no dizer do meio turístico – viajam. É claro que é diferente, socialmente, se um brasileiro viaja 12 vezes ao ano, ou se, ao contrário, são doze os brasileiros que viajam. A estatística disponível, no entanto, não distingue entre os dois fatos…
Uma alternativa interessante seria medir o “conforto público”. Pensar que um único número venha a sintetizar o “conforto público” é, claramente, ilusório, e não apenas em razão da dificuldade de se definir o que vem a ser o “conforto público”. Podemos, porém, explorar a ideia.
Entre os itens que comporiam o índice de “conforto público” encontra-se, sem dúvida, o transporte coletivo, cuja qualidade é básica, em sociedades urbanas. Nesse item, como fica o Brasil, quando comparado a outros países? O transporte coletivo no Brasil é mais rápido, acessível, confiável, seguro e disponível? Podemos viajar as mesmas distâncias, pagando preços equivalentes aos que pagam os franceses, japoneses, haitianos ou indianos? Um francês, em Paris, paga cerca de R$ 140,00 por mês para usar metrô, trem e ônibus, quantas vezes quiser, para quantos destinos pretender, durante um mês; e o recifense ou paulistano, por exemplo, quanto pagam, por um transporte mais lento, menos confiável e menos seguro? Nas últimas décadas, a situação do brasileiro, comparada à do francês, melhorou? As políticas públicas adotadas no Brasil têm melhorado a situação, ou os crescentes congestionamentos nas mais diversas cidades seriam respostas eloquentes à indagação?
Numa perspectiva de se procurar aumentar o “conforto público” dos brasileiros, a comparação com a França é certamente mais instrutiva que uma comparação com o Haiti; afinal, este último não é, propriamente, considerado, internacionalmente, um país “classe média”, como o Brasil…
O “conforto público”, claramente, tem muitas dimensões, aliás refletindo a ideia de qualidade de vida. Por exemplo, a qualidade da urbanização. Será que as habitações em que moram os brasileiros situam-se em locais onde há boa qualidade urbana, como por exemplo, fácil acesso ao local de trabalho e existam parques, parquinhos, crianças andando de bicicleta, e espaços de lazer para todas as idades, que não sejam principalmente bares? Será que o programa Minha Casa Minha Vida está contribuindo para reduzir a eventual diferença, em termos de qualidade urbana, entre como os brasileiros moram e, digamos, como moram os suecos? Por vários indicadores, na média estamos melhores que os haitianos e os indianos, mas não devemos nos comparar apenas com aqueles que são menos afortunados que nós, não é mesmo?
A qualidade urbana inclui, também, poder deixar cada vez mais crianças – quando fora do horário escolar – brincar na rua, andar de bicicleta ou jogar bola na vizinhança; temos tido melhoras, nesse sentido? Sentimo-nos seguros para chegar ou sair de casa às 22 horas? O PIB, o IDH, ou mesmo o PIB verde nada nos dizem sobre esses aspectos, cuja importância é inegável!
Até o momento, nada falamos sobre educação, ou sobre saúde, ou sobre acesso à justiça, fatores que certamente não podem estar ausentes de um indicador de “conforto público”. Porém, como reduzir a um único número a avaliação sobre a qualidade da saúde ou da educação? Dizer que a saúde tirou nota, digamos, “seis”, significa exatamente o quê?
Sem dúvida, não é fácil chegar a um número que reflita a noção de “conforto público”, sem simplificar a ideia a ponto de descaracterizá-la. Essa dificuldade pode ser ruim, do ponto de vista do “marketing”, mas será positiva, se quisermos promover debates balanceados e frutíferos sobre os rumos do nosso país. Isso porque, nesse caso, teremos que discutir o que é qualidade da cidade, da saúde, da educação, e de tantos outros fatores, assim como políticas para alcançar a situação desejável.
Um ponto de extrema importância a se considerar, porém, é que uma diferença fundamental entre os países “desenvolvidos” e aqueles “subdesenvolvidos”, ou “emergentes”, é que nos primeiros o “conforto público”, ainda que de difícil quantificação, é muito maior que nos outros. Afinal, é nos países “desenvolvidos” que a educação, as cidades, a saúde, o transporte, etc., são muito melhores que nos subdesenvolvidos. Ou seja, muito mais importante do que sermos a “sexta maior economia do Planeta” – medida baseada, como se sabe, no tamanho do PIB –, é tentarmos alcançar posições mais elevadas nas diversas escalas possíveis de avaliação de algum índice de conforto da população.