Nessa semana em que acontece o primeiro encontro de cúpula dos países do BRIC – Brasil, China, Índia e Rússia – em Yekaterinburgo, sintomaticamente o ministro Celso Amorim, entrevistado do programa Roda Viva, declarava : “Há uma atitude rígida no Brasil em face a um momento de grandes mudanças. Nós não vivemos mais na época do neoliberalismo, nós não vivemos mais na época em que os países seguiam a receita de Washington ou qualquer outra receita. Os países querem ser independentes! Precisamos ter uma política externa que preserve o interesse brasileiro e que reconheça esse fato!”.
E isto me pareceu o que de mais importante foi dito no programa, contudo, dia seguinte, dando uma zapeada nas matérias on-line da Folha, Estado,Veja-Abril, estas assinalam idiotamente (quer dizer, como se eu, leitor, fosse idiota) as questões da imigração na Europa e deportação de brasileiros, sobretudo na Espanha, ou outras ligadas à Bolívia e ao Irã (sic) como as mais relevantes! Estranho, que programa esses caras viram? Pois é, quando irrita, a realidade então se edita…
E uma posição forte e independente por parte do Brasil é o que desejam todos os brasileiros, pois assim não ficam tão expostos ao ataque conjunto do capital global & caciques locais, a esse duplo espólio, essa dupla predação infinita, por mais que isto desagrade nossas elites apátridas habituadas ao papel de sócio-menor-subalterno-tipo-come-quieto, para uso externo do capitalismo global, e hipócrita-falso-moralista-me-engana-que-eu-gosto, para uso interno da população.
Segundo Michael Krätke (Sin Permisso), o que está em jogo nessa reunião é uma aliança estratégica na política econômica de alcance planetário a fim de exercer contrapeso ao “modelo” de capitalismo dos mercados financeiros norte-americanos. Grandes crises são tempos de mudanças e ajustes. No sistema capitalista mundial, os equilíbrios estão se alterando velozmente. Ora, Brasil, Rússia, Índia e China representam quase 46% da população mundial; são potências econômicas de nível mundial, exportadoras de matérias primas e produtos agrícolas, além de centros prestadores de serviços. Reunidos dispõem do maior volume de reservas monetárias: 2,9 trilhões de dólares.
Como, em vista da crise, suas economias nacionais crescem num ritmo mais lento, não lhes resta outra opção senão livrar-se o mais rápido possível da recessão. E têm boas chances de consegui-lo, porque seus governos não se limitam a uma política de gestão da crise, como os governos norte-americanos e da União Européia, pois decidiram fazer mudanças. E nesse pique, em poucos anos, podem alcançar e talvez superar economicamente os Estados do G-7, algo a ser comprovado objetivamente quando a China substituir os EUA como parceiro comercial principal do Brasil.
Afinal, quem quiser superar a crise presente sem assentar as bases para um próximo derretimento financeiro, não pode se limitar a resgates bilionários de bancos e a regular mercados financeiros. Já antes de sua cúpula, chineses, brasileiros e russos vêm advogando pelo fim do regime do dólar e por uma nova divisa mundial. Os bancos centrais desses três países que, junto com a Índia, experimentaram, nas últimas quatro semanas, um aumento de 60 bilhões em suas reservas de dólares, estão decididos a fragmentar e a diversificar. A União Européia, agora em compasso de espera, terá que decidir se vai ou não para o buraco com os EUA.
Mas é Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia, quem faz um balanço da situação: “A queda do Muro de Berlim em 1989 marcou o fim do comunismo como uma idéia viável. Durante um certo período parecia que a derrota do comunismo supunha a vitória segura do capitalismo, particularmente do capitalismo de tipo estadunidense. Francis Fukuyama, que chegou a proclamar “o fim da história”, definiu o capitalismo de mercado democrático como a última etapa de desenvolvimento social e declarou que a humanidade toda avançaria nessa direção. A rigor, os historiadores registrarão os 20 anos seguintes a 1989 como o breve período do triunfalismo estadunidense. O colapso dos grandes bancos e das entidades financeiras, o descontrole econômico subseqüente terminou com as tentativas caóticas de resgate.
E também acabou o debate acerca do “fundamentalismo de mercado”; com a idéia de que os mercados, sem qualquer controle e restrição, podem por si mesmos assegurar prosperidade econômica e crescimento. Hoje, só o auto-engano levaria alguém a afirmar que os mercados podem se auto-regular, ou que basta confiar no auto-interesse dos participantes no mercado para garantir que as coisas funcionem corretamente e de forma honesta.
Afinal, a exploração colonial e os injustos acordos comerciais, combinados com uma revolução tecnológica nos Estados Unidos e na Europa condenaram os países em desenvolvimento ao atraso.
Em diferentes regiões do mundo, o FMI ou o Banco Mundial passaram a ser vistos como instrumentos de controle pós-colonial. Essas instituições fomentaram o “neoliberalismo”, uma categoria idealizada pelos estadunidenses como “mercados livres e irrestritos”. Também pressionaram pela desregulação do setor financeiro, das privatizações e da liberalização do comércio. O Banco Mundial e o FMI asseguravam que tudo o que faziam era para o bem dos países em desenvolvimento. Sua atuação era respaldada por equipes de economistas partidários do livre mercado, muitos dos quais provenientes da sua catedral, a Universidade de Chicago. Ao final, os programas dos “Chicago boys” não trouxeram os resultados prometidos. As rendas estancaram. Onde houve crescimento, a riqueza foi parar nos estratos mais altos, só no bolso dos ricos.
Nesse contexto, não surpreende que as populações dos países em desenvolvimento creiam cada vez menos nas motivações altruístas do Ocidente. Sabem que a retórica da economia de livre mercado – o que brevemente se conheceu como “o Consenso de Washington” – era só a proteção dos interesses comerciais de sempre. Essas suspeitas viram-se reforçadas pela própria hipocrisia dos países ocidentais. Europa e Estados Unidos não abriram seus próprios mercados à agricultura produzida no Terceiro Mundo, que, muitas vezes, era tudo o que esses países poderiam oferecer. Ao contrário, forçaram-nos a eliminar subsídios necessários à criação de novas indústrias, ao passo que concediam subsídios a seus próprios agricultores.
A ideologia do livre mercado resultou como uma desculpa para se cometer novas formas de exploração. “Privatizar” queria dizer que os estrangeiros podiam comprar minas e campos de petróleo a preço baixo nos países em desenvolvimento. Supunha que podiam extrair lucros consideráveis de atividades monopólicas e semi-monopólicas, como as telecomunicações. “Liberalizar”, por sua vez, queria dizer que podiam obter créditos com facilidade. E se as coisas iam mal, o FMI forçava a socialização das perdas com o que os esforços de pagar aos bancos recaía sobre a população em seu conjunto. Aliás, as empresas estrangeiras podiam arrasar com as indústrias emergentes, bloqueando o desenvolvimento do empresariado local. O capital fluía livremente, mas o trabalho, não, salvo no caso dos indivíduos melhor dotados, que podiam encontrar um emprego no mercado global.
Para os críticos do capitalismo estadunidense no Terceiro Mundo, o modo como os EUA têm respondido à crise constituiu a gota d’água. Por que os Estados Unidos – perguntam-se as pessoas do Terceiro Mundo – prescrevem um remédio diferente quando se trata de si mesmos?
Temos deixado de ser a fonte central de capital. Os três bancos mais importantes do mundo são agora chineses. O principal banco norte-americano caiu para o quinto lugar.
O dólar foi durante muito tempo moeda de reserva. Os países tinham o dólar como referência para determinar a confiança em suas próprias moedas e governos. Contudo, progressivamente, vem-se impondo nos bancos centrais de diferentes partes do mundo a idéia de que o dólar pode não ser um referente de valor. Seu valor, de fato, tem oscilado e caído. O enorme incremento da dívida estadunidense na atual crise, combinado com os empréstimos indiscriminados do Federal Reserve dispararam as especulações em torno do futuro do dólar. Os chineses sugeriram de maneira aberta a possibilidade de inventar algum novo tipo de moeda para substituí-lo.”
Ou seja, se os Estados Unidos estivessem hoje na posição dos países do BRIC, eles fariam precisamente a mesma coisa. E se vêem como os grandes perdedores neste grande jogo, a longo prazo, sem vencedores. Os únicos cegos, surdos, mudos e completamente estúpidos quanto ao assunto são os senhores membros do PIG.