(O político que não negocia)
Na abertura do filme O senhor das armas, o contrabandista Nicolas Cage diz: “Atualmente nos Estados Unidos uma em cada 12 pessoas, possui uma arma. Então nosso problema é o seguinte: como armar as outras 11”? Pois é. Querer o diálogo e a paz quando o que dá lucro é a guerra – e o capitalismo de desastre é prova disto – aparentemente seria algo anacrônico num mundo que adora piadinhas desse tipo.
Contudo, numa visão superficial, embora a coisa até passe por aí – por pacifismo quixotesco, a política externa vitoriosa do presidente Lula só é vitoriosa porque implica uma estratégia extremamente hábil de longo alcance: avançar em conjunto com os grandes países do Bric (além do Brasil, Rússia, China e Índia) e pontualmente, conforme o caso e os interesses setoriais, envolver outros, no sentido de alterar a correlação de forças num mundo unipolar, obrigando a potência hegemônica, representada pelos Estados Unidos, a negociar, neutralizando seu impulso agressivo-expansivo – que não pode ser diferente desde que os norte-americanos escolheram apostar em seu estilo de vida predatório (uma vez que, numa megaescala de consumo, as antigas qualidades ianques desaparecem, ou melhor, se tornam defeitos/anomalias permanentes).
Na coluna “Serra e a direita kamikaze”, já tratei especificamente de como se articula estrategicamente a política externa do governo Lula – no fundo, uma primorosa obra de relojoaria diplomática, uma coautoria assinada por Lula/Celso Amorim.
Indo ao ponto: Lula é um político hábil, um estrategista de visão, até porque inteligência nada tem a ver com kultur, com “k”, como a de FHC – sigla que Millôr Fernandes interpreta como “um grau superior de PHD”. Irretocável Millôr!. Um político por excelência no sentido amplo, como alguém que faz acordos, que negocia mantendo sua posição (isto é, a posição dos seus eleitores), que estabelece compromissos, que privilegia essa relação de dar e receber que caracteriza a essência da política. Um estadista reconhecido por especialistas e políticos do mundo inteiro, a começar por Barack “O cara” Obama e a terminar pela Otan, que também elogia seu acordo com o Irã.
Por suas características, Lula é tudo menos personalista. O ego vem em último lugar quando o que está em jogo é um país, seu povo e sua sobrevivência, inclusive no sentido histórico, sobretudo do ponto de vista geopolítico atual, quando tudo está interligado e todos dependem de todos.
Geopolítica e egomania definitivamente não combinam. Pior, se excluem mutuamente.
Aliás, do ponto de vista geopolítico, esse mundo não deve fazer nenhum sentido para o personalista José Serra. Que não só não dialogaria com o Irã, como não dialogou com os professores da rede pública de São Paulo.
Para qualquer idiota minimamente amestrado, seja vereador, deputado, senador, prefeito, governador ou presidente, o candidato eleito deve funcionar como representante dos eleitores perante Deus & todo mundo. Ele é, por definição, O Negociador. Para isso tem um mandato, certo?
Agora, a pergunta que não quer calar: para que serve um político que não negocia, nem fora nem dentro? É algo assim como o bicho da maçã: não serve rigorosamente para nada.
Segundo editorial da Carta Maior em 17/05, “entre a pele de cordeiro, que leva água para o moinho de Lula e Dilma, e a pele de lobo que sanciona o escrutínio plebiscitário, Serra vive o clássico dilema em que nenhuma solução é boa: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. É o que mostram dados adicionais da pesquisa CNT/Sensus desta segunda- feira: a) 60,8% dos brasileiros estão dispostos a votar no candidato à Presidência da República apoiado por Lula; b) 55,4% não votariam num candidato que tem o apoio de FHC; c) Dilma representa, para a maioria dos eleitores (54,6%), a continuidade das políticas econômicas e sociais do governo Lula; d) 57,1% acreditam que o governo Lula gerou o maior número de benefícios econômicos e sociais desfrutados atualmente pela sociedade.”
Quanto a Serra – salvo a vassalagem, para uso externo, e “mim-Deus X vocês-pigmeus”, para o interno – este não faz acordos: o candidato do conservadorismo brasileiro é um político que absurdamente aboliu a política, promovendo o auto-cancelamento.