Rodolfo Torres*
O eleitor brasileiro é um coitado. Pior seria se fosse um coitado desiludido, um descrente absoluto. Ao menos existe uma campanha permanente para lembrar que o voto é um instrumento muito importante para a cidadania, mesmo que a cidadania seja a brasileira, e que deve ser utilizado com bastante cuidado. Alguns até vão mais além. Falam que o voto, antes de ser uma obrigação, é um direito do povo. Ou seja, somos obrigados a ter esse direito. Pena que somos obrigados somente a ter ESSE direito.
O eleitor brasileiro está sufocado de denúncias nestas eleições. Para saber em quem realmente não deve votar, é preciso um estudo detalhado, uma dedicação exclusiva ao tema corrupção na política. Eu quase diria que o eleitor deve cursar uma pós-graduação em criminologia para estar apto a votar com algum conhecimento de causa.
A política no Brasil está ganhando uma nova função nestes tempos de sanguessugas e mensaleiros, algo que precisa ser analisado com maior cuidado pelos cientistas sociais. A política brasileira aos poucos está substituindo o futebol no papel de divã popular. O sujeito guarda todas as suas insatisfações com a vida e descarrega em cima do noticiário político.
A madrugada em Brasília traz alguns relatos interessantes. Um deles, que merece ser aqui destacado, é o de um senhor que mora numa das cidades satélites de Brasília. Aposentado, com vários problemas de sáude e pouquíssimo dinheiro para comprar os medicamentos, ele resolveu voltar a fumar depois de mais de 40 anos de abstinência. Argumentou que dessa forma vai morrer mais rápido e, ainda por cima, tem mais catarro para cuspir na hora do jornal na TV.
O intelectual italiano Domenico De Masi, sociólogo e escritor, autor do festejado O ócio criativo, fez lá a sua análise fundamental e indispensável no programa Roda Viva, da TV Cultura (não sei a data do programa) sobre a relação entre as bolsas de valores e os eleitores.
De Masi observou que o poder de pressão e de atuação das bolsas é diário, enquanto o poder de atuação dos eleitores é muito eventual. No caso brasileiro, ele se faz presente de quatro em quatro anos para os cargos mais importantes. Sem considerar as falhas do nosso sistema político…
Ou seja, por mais que uma eleição represente o desejo da maioria de um povo, ela ainda assim é um instrumento infinitamente mais fraco do que o dos grandes investidores internacionais dos mercados emergentes. Seria digno por parte da sociedade brasileira tentar diminuir essa desproporção. Sejamos realistas: apenas diminuir…
O escritor português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura, desempenha de forma bastante satisfatória para o nosso tempo o papel do intelectual que procura estimular o debate na sociedade (se bem que as atuais sociedades não estão muito interessadas em debater). Contudo, Saramago é incansável ao denunciar a mediocridade do pensamento vigente. Uma das mediocridades do pensar atual, segundo o português, e eu concordo, é aceitar o atual modelo da democracia eleitoral como algo que não mereça aprimoramento, que não mereça questionamento, que não mereça alterações.
E eu, que já passei da fase nacionalista, e que sou produto do meu tempo e do meio em que vivo, apenas busco algum conforto material para o resto de vida que ainda tenho. Conto com um mínimo de leitura para saber que a política não passa de um reflexo da natureza íntima dos homens.
No último domingo, quase 40 crianças libanesas foram mortas com os ataques do exército israelense no sul do Líbano. Comoção em todo o planeta. Parêntesis. O eleitor brasileiro, os intelectuais e os jornalistas vivem de jargões: somente com o voto é possível mudar a situação; o voto é a nossa única arma, cada povo tem o governo que merece. Então aí vai, retomando a questão do Líbano, mais um pensamento-jargão: quantas crianças brasileiras morrem diariamente por cauda da corrupção na política? Não sei. Apenas ouço falar que apenas com o nosso voto podemos mudar essa situação.
* Rodolfo Torres é jornalista.