Nesta Semana Nacional da Consciência Negra, proponho uma reflexão sobre o sistema de cotas em vigor há cerca de dez anos nas universidades da segunda maior nação negra do mundo, o Brasil (atrás apenas da Nigéria). O objetivo é discutir aqui resultados preliminares da inclusão racial. Em linhas gerais, os dados mostram que as cotas funcionam como importante fator de correção para a desigualdade no acesso ao ensino superior brasileiro, majoritariamente branco. A pergunta que fica é: até quando vamos precisar delas?
A lei que estipula cotas não existe, mas há vários projetos tratando do tema (o mais antigo, de 1999). Já o Estatuto da Igualdade Racial, em vigor desde julho de 2010, acabou não prevendo a criação de cotas para negros em universidades, empresas e candidaturas. Restou às instituições decidir pela adoção ou não desta ação afirmativa. A primeira universidade estadual a adotar cotas foi a UERJ, em 2003 (20% para negros e 20% para alunos de escolas públicas, por exemplo); a primeira federal foi a UnB, em 2004 (20% para negros); no caso do Rio de Janeiro e outros estados como Paraná e Mato Grosso do Sul, há também decreto com cotas para negros no serviço público. E a maior decisão da história em termos de ação afirmativa está para acontecer: o STF dirá se é ou não constitucional a reserva de vagas para afrodescendentes no caso partido Democratas versus UnB. Qualquer que seja o resultado do julgamento, a decisão do tribunal é irrecorrível e valerá para todo o Brasil.
Conforme prometido, vamos a alguns dados e resultados da aplicação das cotas para negros no Brasil. Todos reforçam o aspecto positivo da adoção da política:
1) Dados do IBGE de 2010 indicam que, enquanto 15% da população branca tem ensino superior completo, somente 5% da população negra consegue terminar o curso universitário;
2) O IBGE também revela que, em uma década (período em que as cotas entravam em vigor em todo o país), o percentual de negros com ensino superior dobrou (apesar de ser bem inferior ao de brancos formados);
3) Levantamentos do Ipea mostram que as condições de vida dos negros em geral são piores do que as dos brancos, qualquer que seja o corte (a ‘variável’ em estudo). Em suma, ao menos no Brasil, é seguro dizer que raça e condição social se sobrepõem. Afrodescendentes tendem a pertencer aos estratos econômicos mais baixos, o que dificulta, entre outras coisas, a dedicação aos estudos;
4) A Uerj, em 2010, e a Unicamp, em 2006, mapearam o desempenho médio dos seus alunos cotistas. As pesquisas mostram que é levemente superior ao dos que ingressaram pelo sistema universal. Em outras palavras: cotas podem facilitar a entrada, mas não garantem a saída – que depende das notas de cada um. E os alunos cotistas têm se desempenhado relativamente bem;
5) Finalmente (para ser concisa), a educação é comprovadamente fator de exclusão social. Quem não tem acesso à escola dificilmente consegue subir na escada sócio-econômica. Exemplo interessante dentro da própria UnB: o censo universitário de 2000 identificou que apenas 1% dos 1.500 professores da universidade era afrodescendente.
É claro que seria ótimo se não precisássemos de cotas. Num sistema educacional ideal, não haveria distinção de qualidade entre escolas públicas e privadas, entre universidades públicas e privadas. A única diferença seria quem frequenta: quem não pode pagar é atendido no ensino público. Mas no Brasil o caminho para a educação gratuita de qualidade parece distante. E é no mínimo ingênuo achar que podemos esperar até que pelo menos 8,5% do PIB ao ano seja aplicado na educação básica (todas as análises convergem em torno deste percentual). O primeiro Plano Nacional de Educação (2001-2011) sequer continha metas de investimento. O segundo PNE (2011-2020) fala em 7% do PIB, mas não exclusivamente no ensino básico e tampouco há garantias, já que a lei não é punitiva.
O desafio educacional brasileiro é enorme. E passa pela urgência de dar chances reais aos afrodescendentes de pelo menos entrar na universidade.