Uma das maiores ações da história da Polícia Federal, a Operação Navalha já derrubou um ministro de Estado e ameaça fazer cortes profundos no Congresso. Embora ainda não tenha sido aberto nenhum inquérito contra parlamentar até agora, os personagens e os valores em jogo têm potencial para deixar feridas ainda maiores do que as abertas pelos sanguessugas no ano passado.
Em primeiro lugar, a navalha começa ferindo grupos políticos influentes (leia mais), e não o baixo clero, como no caso dos parlamentares que recebiam propinas modestas da família Vedoin em troca de emendas individuais e deixavam digitais no Orçamento da União.
Enquanto a máfia dos sanguessugas movimentou cerca de R$ 100 milhões do Orçamento da União – a maioria das emendas girava em torno do valor médio de uma ambulância, cerca de R$ 100 mil – os 47 presos pela Operação Navalha movimentaram, entre 2004 até este ano, ao menos R$ 170 milhões, segundo os dados encaminhados ao Ministério Público Federal (MPF) pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
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As movimentações atípicas do grupo serviram de base para as prisões em nove estados e culminaram no aprofundamento da investigação sobre as ramificações da empreiteira Gautama nos ministérios de Minas e Energia, da Integração Nacional, das Cidades, do Planejamento, e do Departamento Nacional de Infra-Estrutura Terrestre (Dnit). Os sanguessugas estavam restritos às emendas do Ministério da Saúde, tanto para a compra de ambulâncias como para a aquisição de medicamentos e equipamentos médicos.
Como envolvem obras de infra-estrutura, as cifras da máfia das obras são superiores. Segundo os dados do próprio governo, a Gautama recebeu diretamente da União R$ 115,7 milhões entre 1998 e 2007. Mesmo para os mais experientes "siafeiros", técnicos da Comissão de Orçamento ou assessores parlamentares mais tarimbados com acesso ao Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), descobrir a autoria das emendas que beneficiaram a construtora tem sido tarefa inglória.
É preciso, segundo técnicos ouvidos pelo Congresso em Foco, fazer uma série de cruzamentos de dados para se chegar a qualquer conclusão nesse caso.
Mimos
Além de girarem valores elevados, as fraudes comandadas por Zuleido Soares Veras e seus funcionários da Gautama, segundo a Polícia Federal, são provenientes de emendas de bancadas, de comissão e de relatores, o que dificulta a identificação dos parlamentares que poderiam ter beneficiado a empresa em troca de favores.
É justamente atrás dessas artimanhas orçamentárias que estão escondidos os congressistas parceiros da empreiteira de Zuleido. Dificilmente, de acordo com os investigadores da Polícia Federal, a descoberta de que deputados e senadores receberam gravatas, garrafas de uísque e outros mimos será suficiente para que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorize a investigação dos congressistas, que gozam de foro privilegiado na mais alta corte do país.
Tanto que, antes mesmo do vazamento da lista com o nome de parlamentares que receberam os presentes, alguns já admitiram ter recebido pequenos mimos da construtora. Como essa prática, ainda que imoral, é comum no Brasil, o STF precisará de mais elementos para dar aval a uma série de novas devassas na vida de deputados e senadores.