À medida que vai se aproximando o início do julgamento do mensalão, vai ficando mais clara a complexidade do caso e a dificuldade de se prever qual será o seu resultado final. A primeira evidência: ao mesmo tempo em que é um caso só – de acordo com a acusação do Ministério Público, um “sofisticado” esquema de compra de apoio político – na visão da sociedade, são também 38 casos específicos. Exige-se uma análise individual da situação de cada um dos réus e do seu envolvimento com o esquema.
Imaginar, portanto, que todos os réus terão o mesmo tratamento na análise que farão os ministros do Supremo poderá ser o primeiro passo para a frustração. No caso de dois – Luiz Gushiken e Jacinto Lamas –, o próprio Ministério Público pede a absolvição. Isso, certamente, já trará benefícios às suas situações. A coisa complica é no caso dos demais. O que se verifica a partir da apresentação das defesas de cada grupo é que eles se engalfinham numa espécie de abraço de afogados. Na ânsia de sobreviver, empurram os demais para o fundo. Imaginar que seja possível a construção de um argumento que acabe por livrar todo mundo, de todos os grupos envolvidos, da condenação vai ficando cada vez mais difícil.
O grupo do PT constrói uma linha de defesa que visa jogar a responsabilidade pelo que houve no ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. Ele teria recebido carta-branca para encontrar uma solução para as dívidas de campanha do próprio partido e de seus aliados. E recorreu aos serviços do publicitário Marcos Valério de Souza, que emprestou o dinheiro. Seria a confissão de um crime menor – caixa dois eleitoral, que a essa altura já teria prescrito. Delúbio teve aval, fez, e ninguém mais tinha ciência do que estava sendo feito, por essa versão.
O primeiro problema dessa linha de defesa esbarra na que foi montada pelo presidente do PTB, Roberto Jefferson. Denunciante do esquema do mensalão, ele é apontado também como beneficiário dele. Roberto Jefferson sustentará que o mensalão existiu, que ele não aceitou o esquema e tentou denunciá-lo, inclusive ao ex-presidente Lula. Nas versões iniciais, Jefferson preservava Lula – dizia que ele, pessoalmente, não sabia de nada – e jogava a responsabilidade maior para o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Agora, o advogado de Jefferson, Luiz Barbosa, afirma que, no julgamento, dirá que Lula não só sabia do esquema, como o ordenou. Lula não é réu no julgamento, mas, certamente tal linha de argumentação não ajudará na defesa de seus auxiliares mais próximos cuja atuação estará sendo analisada no STF.
O segundo problema está relacionado à origem do dinheiro que circulou nas contas de Marcos Valério. Se era apenas um empréstimo que depois o PT pagou, o caso tem uma gravidade. Se envolveu dinheiro público, a gravidade é bem maior. Delúbio e Marcos Valério alegam nas suas defesas que não houve dinheiro público envolvido nos empréstimos. Essa, porém, não é a versão dos diretores do Banco Rural. Eles afirmam que pelas contas de Marcos Valério passou, sim, dinheiro dos contratos que suas agências de publicidade tinham com órgãos públicos. E que não há como saber se as agências desviavam recursos de seus contratos.
Se o Banco Rural aceita a tese das defesas de Delúbio e Valério, terá que admitir que passou pela conta do publicitário mineiro dinheiro de origem não declarada. E isso complica o banco na acusação de lavagem de dinheiro. Para se livrar dessa acusação, o banco tem de dizer que os recursos nas contas de Marcos Valério tinham origem declarada: e, no caso, sua origem seria os contratos com o governo.
Assim, vai seguindo a coisa. A linha de argumentação de uns atrapalha a linha de argumentação de outros. Para se defender, alguns terão que acusar os demais. Ou alguns dos demais. Esse será o clima que se instalará no Supremo em agosto. Não será um clima de camaradagem entre os réus. Quem levará a melhor? Com a palavra, a partir de agosto, os 11 ministros do STF.
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