Pouco depois da eleição de Dilma Rousseff para a Presidência da República, eu contava aqui, com muito orgulho, que sou bisneto de uma das pioneiras da emancipação política feminina no Brasil. Alzira Soriano, mãe da minha avó paterna, Ismênia, foi a primeira mulher a ser eleita para um cargo no Poder Executivo na América Latina. Ela foi prefeita de Lajes, município do Rio Grande do Norte, em 1929. O feito chegou a lhe render na época uma reportagem no New York Times.
Naquela ocasião, vovó Alzira foi o tema da minha coluna. Como não quero me tornar cansativo para os que se aventuram a ser meus leitores, não vou repetir agora tudo o que já disse sobre ela então. Apenas para situar quem não leu aquela coluna anterior, repito que minha bisavó é um dos marcos iniciais, há 83 anos, da saga feminina que nos faz ter hoje Dilma Rousseff como presidenta da República.
Vovó Alzira ficou viúva aos 22 anos, quando seu marido, Thomaz Soriano de Souza, morreu, como mais uma das vítimas da gripe espanhola, em 1919. Estava com duas filhas e uma outra na barriga quando se viu, viúva, com a necessidade de administrar uma fazenda no sertão do Rio Grande do Norte, a Fazenda Primavera, hoje no município de Jardim de Angicos, que à época era distrito de Lajes. É fácil imaginar, naquele rude cenário, no início do século passado, o desafio que era para uma mulher se fazer obedecida pelos vaqueiros e demais empregados da fazenda.
Foi a personalidade demonstrada por Alzira nesse trato na fazenda que chamou a atenção das sufragistas. Quando surgiu a ideia de lançar alguma mulher candidata a prefeita naquelas eleições, chegaram a ela. E vovó Alzira topou o desafio: governou por um ano (seu mandato acabou abreviado pelo início da era Vargas em 1930), uma mulher chefe de um gabinete formado só por homens. Mais tarde, ela foi vereadora por dois mandatos, pela UDN. Chegou, inclusive, a presidir a Câmara.
Quem me conhece sabe que não sou nem um pouco dado a lances místicos, muito pelo contrário. Assim, não vou reputar a conexão que sinto ter com vovó Alzira a uma questão de espiritualidade. Não é por aí que eu julgo poder mandar um recado dela a Dilma, o ponto final da saga que ela iniciou em 1929. Ocorre que a experiência da minha bisavó marcou profundamente o caráter dos homens da minha família. Enquanto foi vivo, meu pai, José Lago, diariamente reforçava a imagem de vovó Alzira como a grande heroína da família. Todas as demais mulheres da família Soriano (ou Lago, depois que minha avó, Ismênia, casou-se com meu avô, Ruy Lago) herdaram o caráter forte dela, nos transformando numa espécie de matriarcado. Não hesito dizer que nós, homens da família Soriano Lago, temos um respeito incomum para a maioria dos homens pelo gênero feminino, por conta da memória que temos de vovó Alzira.
É por conta disso que imagino que eu possa dizer à presidenta que vovó Alzira diria a ela o seguinte, por conta da pressão que ela sofre dos homens da sua base de sustentação: “Não esmoreça”. Se Dilma, usando os eufemismos que a presidenta prefere para lidar com essas coisas (não sei se vovó os usaria), está convicta que a pressão do PMDB, consubstanciada na carta que os deputados entregaram ao vice-presidente Michel Temer, se assenta em “ideais pouco republicanas” e pode abrir espaço para novos “malfeitos” no governo, vovó Alzira certamente diria a ela: “Não esmoreça”. Se ela estiver convicta que é do mesmo tipo a pressão feita por outros partidos da base, vovó repetiria: “Não esmoreça”.
Se essa pressão faz com que Dilma, num momento de tensão, chore, acho que vovó diria: “Não tenha vergonha de chorar. Os homens, infantis e orgulhosos que são, é que inventaram essa bobagem de que é sinal de fraqueza demonstrar seus sentimentos”.
Política que também foi – e, certamente, nada ingênua – vovó saberia que Dilma, na forma como age com o PMDB e outros aliados, também faz seus cálculos políticos e eleitorais. E é possível que nem todas as razões da presidenta sejam corretas e nobres. Mas hoje, 8 de março, é o dia delas, de vovó Alzira e de Dilma. E de todas as mulheres. Como não é o meu dia, resolvi ser condescendente. Presidenta Dilma: vovó Alzira lhe observa. Feliz Dia da Mulher!