Celso Lungaretti*
Ou as pessoas que têm influência sobre o jogador Neymar conseguiram ensiná-lo a dissimular muito bem, ou ele realmente amadureceu.
Suas declarações após o vareio de bola que o Santos levou – eu concordo com o Juca Kfouri: caberia melhor um placar de 7×1 ou 8×1 – foram as mais sensatas e comedidas possíveis.
Se estiver apenas fazendo pose de bom menino, vai demorar mais a desenvolver seu enorme potencial.
Se ele pediu mesmo ao técnico Pepe Guardiola um lugar no Barça, está no bom caminho.
Pois o time catalão é o que é em função não apenas dos talentos superiores com que conta, mas também dos princípios que segue – como o de que a individualidade, estando a serviço do coletivo, brilha muito mais.
É o caso de Messi, que participa intensamente da armação das jogadas, também se desloca para atrair a marcação e criar espaços para os companheiros (além de passar o jogo inteiro servindo-os) e, nos momentos propícios, decide.
Não se percebe nele a obsessão pelo brilho de um Cristiano Ronaldo.
É capaz de enveredar sozinho por uma selva de zagueiros e fazer um gol de placa como o que marcou na semifinal da penúltima Liga dos Campeões da Uefa, contra o Real Madrid. Mas procura sempre os caminhos mais fáceis, as tabelas, os lançamentos. Só quando não existe opção melhor, como na partida citada, é que tenta resolver tudo sozinho – e muitas vezes consegue.
Se o Neymar, aos 19 anos, já percebeu que precisa mudar da postura Cristiano Ronaldo para a postura Messi, tem tempo de sobra para se tornar um dos maiores futebolistas do planeta em todos os tempos. O português já é caso perdido. Ele, não.
E, se o menino mimado que derrubou um bom técnico estiver mesmo querendo entrar num grupo sóbrio, disciplinado, coeso e solidário, parabéns! Mais um sinal auspicioso.
Há derrotas que deixam um saldo muito melhor do que vitórias.
A de domingo serve como um sonoro alerta de que o Brasil corre enorme, sério, risco de repetir no próximo Mundial o vexame de 1950 se não mudar radicalmente suas prioridades futebolísticas nos próximos dois anos.
O Barcelona engendrou um futebol-arte competitivo, que consegue ser ainda mais mortífero para os adversários do que a laranja mecânica de 1974.
Perderam o trem da história futebolística os tacanhos que continuam estacionados no futebol-força, com:
- seu defensivismo obsessivo, a ponto de um Corinthians ser campeão brasileiro com uma sequência interminável de 1×0;
- seus zagueiros e meio-campistas recuados que só destroem e não sabem sair jogando;
- sua cera, catimba e truculência (Milton Neves urrou que o Santos “precisava de um filho da putão no meio de campo”, “tavam tudo freira”!!!);
- seus chutões para o mato que o jogo é de campeonato, devolvendo ao adversário a bola cuja posse seria muito melhor valorizar;
- suas ligações diretas, quase sempre uma alternativa à inabilidade para conduzir a redonda conscientemente até o ataque;
- seus gols surgidos quase todos de chuveirinhos e bolas paradas.
Os artistas do Barcelona provam que os Davis continuam encontrando maneiras habilidosas para derrotar os Golias.
Transpiração sem inspiração, diante do Barça, só está servindo para os adversários assistirem aos gols catalães com as camisas encharcadas de suor inútil.
* Jornalista e escritor. Mantém o blog http://naufrago-da-utopia.blogspot.com