Rudolfo Lago
No Brasileirão da política, passou-se a impressão de que a rodada decisiva aconteceu há duas semanas, quando estourou o mensalão do Arruda. Após a profusão de cenas constrangedoras propiciadas por Durval Barbosa, o cineasta do ano, as tropas aliadas do governo Lula soltaram foguetes de comemoração. Não que elas não devam comemorar: a derrocada de José Roberto Arruda no Distrito Federal é mesmo um tiro de morte no DEM, altera completamente o quadro político local, e desarruma todo o esquema montado pela oposição para que José Serra, mais provavelmente, ou Aécio Neves, disputem a sucessão no ano que vem. Mas há uma certa tese utilizada nessa comemoração que incomoda. E é sobre ela que vamos nos ater aqui.
É a tese de que a descoberta do mensalão do Arruda neutralizou a possibilidade do discurso do combate à corrupção nas eleições do ano que vem. É meio que a confirmação daquela frase que o presidente Lula falou logo depois da descoberta do mensalão petista: desvio de recursos para caixa dois é coisa que todo mundo faz, sistematicamente. Ou seja: por essa tese, todo mundo tem seu mensalão. E é esse é que seria o fato confirmado: se o PT tinha o seu mensalão; se o PSDB tinha o seu lá com o senador Eduardo Azeredo em Minas Gerais, e se o DEM tem o seu com Arruda, então ninguém poderá em 2010 falar de ética na política. Generalizou-se a bandalheira. É a eleição do Barão de Itararé (de novo, ele): “Ou restaura-se a moralidade ou nos locupletamos todos”. A moralidade não se restaurou, então vamos deixar essa conversa de lado e vamos discutir outras coisas, com os nossos devidos dinheiro no bolso. Ou na meia.
O tema da moralidade pública sempre norteou a política brasileira, sempre foi um bem importante para o eleitor brasileiro. Mesmo quando equivocado , foi baseado nisso que ele votou. Ou Fernando Collor, nas suas pesquisas de marketing, não teria enxergado que precisava se apresentar ao público como o “caçador de marajás”. Por essa tese, teríamos em 2010 a primeira eleição não pautada pelo discurso da ética pública. Para quem está na disputa com chance de vitória e foi enlameado em algum momento, o melhor dos mundos: nada melhor para o roto do que poder falar mal do esfarrapado.
O cientista político José Luciano Dias, da CAC Consultoria, porém, recomenda um pouco de prudência nessa análise. A verdade é que nem todo mundo tem mensalão. O eleitor não tem. “Não dou de barato que a ética saiu do discurso da eleição do ano que vem. A verdade é que o eleitor ainda não se manifestou sobre essa questão. E não houve eleição neste país até hoje em que ele não se manifestasse sobre esse ponto”, considera Luciano.
Para Luciano, há muito mais um desejo das principais forças na competição do que uma realidade de fato. Tanto no que diz respeito à ausência da discussão sobre a ética, quanto na avaliação de que a eleição será um FlaXFlu: o candidato de Lula contra o candidato do PSDB, sem chances para mais ninguém. “Em nenhuma das vezes em que não foi reeleição, a eleição foi FlaXFlu”, lembra Luciano. Em 2002, de fato, não foi. Antes de ficar definida a disputa entre Serra e Lula, houve o momento Roseana Sarney e, depois, o momento Ciro Gomes. Ciro, não fosse pelo seu próprio destempero, teria chegado bem perto de ganhar a eleição.
Hoje, Ciro ensaia enveredar pelo discurso da moralidade. Se vai colar com ele, não se sabe. Marina Silva pode crescer com ele. Não exatamente por explorar esse discurso, mas porque não funciona colar nela a ideia de que todo mundo tem mensalão. O fato, para Luciano, é que é difícil imaginar que essa discussão, que sempre permeou a política brasileira – desde o “Mar de Lama”, da “Vassourinha” do Jânio Quadros -, vá desaparecer completamente em 2010. Quem não tem mensalão que se manifeste.