A longa sessão inicial da CPI do Cachoeira foi somente a primeira amostra do que serão os próximos dias no Congresso. Tudo o mais ficou parado. É verdade que era uma volta de feriado, mas os próximos dias não serão muito diferentes. CPIs, quando têm esse grau de importância, paralisam todo o resto mesmo. E as próximas maratonas transformarão as longas horas da sessão de ontem (2) numa corrida de cem metros. São muitos integrantes. Todos fazem questão de perguntar e participar. Sabem que os olhos do país os estarão observando. Emissoras de TV estarão ao vivo, dezenas de jornalistas, de todos os veículos.
A primeira sessão também serviu para que os principais personagens que estarão na investigação se apresentassem ao público e definissem seus papéis. O embate governo x oposição já se sentiu. E também a perda de tempo, resumida no inútil debate, capitaneado especialmente pelo senador Fernando Collor (PTB-AL), acerca de vazamento de informações sigilosas.
No posto de bedel do sigilo, Collor parecia ignorar o óbvio: antes mesmo de chegar às mãos dos parlamentares da CPI, as informações dos inquéritos da Polícia Federal sobre o esquema de Carlinhos Cachoeira já tinham vazado. Os grampos e outras informações estão todos os dias nos jornais. Então, Collor insistia em preservar o quê exatamente? Além disso, ele acha mesmo que vai conseguir evitar novos vazamentos apenas adotando o seu conhecido tom marcial de voz e caprichando na inclusão de termos barrocos que assegurem ao público uma impressão de erudição? Acha que vai intimidar seus colegas de CPI assim? Collor parece imbuído da tarefa de aproveitar sua condição agora de investigador para tentar exorcizar os demônios que lhe atormentam desde a famosa CPI do PC, em que foi investigado. É difícil que ele venha a obter um grande sucesso nesse papel.
De um modo geral, o plano de trabalho apresentado pelo relator da CPI, Odair Cunha (PT-MG) é bom. Ela estabelece o que tem de ser mesmo o foco da investigação: até que ponto a organização criminosa liderada por Cachoeira entranhou-se no aparelho de Estado. A ordem sugerida – de ouvir primeiro aqueles que fizeram a acusação e depois os que foram acusados – parece fazer sentido.
Mas os oposicionistas já ficaram com uma pulga atrás da orelha. Odair Cunha não previu o interrogatório do ex-presidente da Delta Construções Fernando Cavendish, e parecia querer limitar o foco da investigação nas ações da empreiteira na região Centro-Oeste. Pareceu a alguns uma tentativa de blindar as relações que a construtora teve com o governo federal, como maior empresa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Odair Cunha insistiu que seu texto falava nas ações da Delta no Centro-Oeste “inclusive”. Ou seja: tudo, e mais destacadamente, isso. Mas, para alguns, ficou a desconfiança.
E voltando a Fernando Collor, chamou a atenção a sua insistência no depoimento do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e o empenho do senador Alvaro Dias (PSDB-PR) em defendê-lo. Gurgel, de fato, deve explicações sobre as razões que o levaram a ficar tanto tempo com as informações das investigações sem tomar providências. E poderia muito bem ir até a CPI e esclarecer as dúvidas. Se houvesse coisas que não pudesse dizer pelas suas funções, era só se resguardar nesses pontos. No fundo, a discussão sobre Gurgel não era exatamente sobre o seu papel no caso Cachoeira/Demóstenes. O procurador-geral da República é o autor da denúncia sobre o processo do mensalão. Em torno da sua convocação, estava o temor de que ele pudesse sair da CPI desmoralizado, enfraquecendo a sua posição no julgamento do mensalão.
Enfim, o espetáculo começou. Os atores estão no palco. É preciso prestar bastante atenção em todos eles. Como acontece em muitas boas peças de teatro, seus gestos e pausas muitas vezes serão mais eloquentes que as suas falas.