Recentemente estive no México, onde comprei várias revistas de cultura. Uma delas se chama Bicaa’lu, que, segundo a própria revista, significa, na língua zapoteca (uma das línguas do México), “ten esperanza, esfuérzate, lucha, sé combatiente, pelea…”. A revista se auto-identifica como “literalmente entretenida”.
É uma publicação de formato diferente: mede a altura de uma folha de papel A4 e a largura de meio A4. Fácil de manusear. E cada número aborda praticamente um só tema. Comprei duas edições. Uma delas é dedicada ao sono, e a outra, a edição número 15, ao belo e ao feio. Essa edição me deu o mote para este artigo.
Segundo o Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, belo é o “que tem formas e proporções esteticamente harmônicas, tendendo a um ideal de perfeições; que tem beleza; lindo; que produz uma viva impressão de deleite e admiração; que provoca uma sensação de serenidade, de aprazibilidade”. Seria também o antônimo de feio.
Beleza é a “qualidade, propriedade, caráter ou virtude do que é belo; caráter do ser ou da coisa que desperta sentimento de êxtase, admiração ou prazer através de sensações visuais, gustativas, auditivas, olfativas, etc.”.
Já o feio, de acordo com o Houaiss, é “sem beleza, de aparência desagradável; desproporcionado, disforme, que inspira desprezo, nojo, vergonha; vil, desonesto”. É o antônimo de “belo, bonito, formoso, gentil, lindo”. Já feioso ou feiosa são usados quando vai se falar de um moço ou moça.
O caro leitor e a cara leitora devem estar pensando onde quero chegar. Na continuidade, entenderá. Porém, antes ainda recorro ao Houaiss, para os conceitos de pornográfico e pornografia.
Pornográfico é o que “demonstra, descreve ou evoca luxúria ou libidinagem (diz-se de livro, filme, quadro, etc.); indecente, imoral, libertino”. Já pornografia é o “estudo da prostituição; coleção de pinturas ou gravuras obscenas”. Pergunto: o que é belo, beleza, feio e pornográfico para um é para o outro?
PublicidadeSão conceitos que vão mudando ao longo da nossa vida. O que é belo ou feio para uma criança que ainda não tem esses conceitos introjetados? A moral, a ética, os conceitos e preconceitos lhe serão incutidos ao longo da vida. É feio, bonito ou pornográfico ficar nu e tomar banho com seu filho ou filha?
Em 27 de agosto de 2009, o fotógrafo Zach Hyman, conhecido por fotografar nus femininos nas estações de metrô, e a modelo Kathleen Neil foram até o Museu Metropolitano de Arte de Nova Iorque para uma sessão de fotos. Esse museu é um dos mais famosos do mundo, conhecido por apresentar centenas de quadros e esculturas retratando os nus feminino e masculino.
No Museu, Zach Hyman armou sua máquina fotográfica; Kathleen Neil tirou a roupa e ficou como veio ao mundo. Assim que a sessão de fotos começou, ela, sem nenhum fio de roupa em cima do corpo, como em muitos quadros do museu, foi presa por atentar ao pudor. A polícia entendeu ser um atentado ao pudor, mas o que achou cada um dos presentes que assistiu à curta performance? Feio, belo ou pornográfico?
Com certeza para alguns Kathleen Neil foi pornográfica, para outros foi bela, e algumas pessoas, talvez mulheres, podem ter dito: “Que coisa feia”.
Hoje, os meios de comunicação, principalmente a TV, impõem um estereótipo de beleza, e tal imposição tem deixado muitas pessoas infelizes. O belo e a beleza, segundo esses meios, estão relacionados a certa etnia, peso corporal, classe social, êxito profissional, ter isto ou aquilo, etc. Essas mensagens criam o padrão de beleza ideal, de vida e de corpo, idealizado em quem vemos na tela.
Esse padrão de beleza idealizado cria, em muitas pessoas, baixa autoestima e o desejo de mudança, geralmente frustrado. A pessoa passa a negar o que é e a desejar, por exemplo, cirurgias plásticas. Há aqueles que desejam ser outra pessoa, uma celebridade da TV. Ah, se eu fosse o fulano ou a sicrana! Todo o restante é feio. E então a pessoa passa a se sentir feia. Cega, não vê o que há de belo fora do padrão imposto.
Há beleza também além do corpo humano. Está na natureza, muito pouco e por poucos observada. O envelhecimento nos ensina que muito do que nos foi introjetado não é verdadeiro. Nos ensina a ver o belo nos pássaros e nos seus cantares. Ver o belo na formação das nuvens, no pôr do sol, na chuva, no orvalho e até nas mais frias manhãs. O envelhecimento, sem preconceito, faz a vida mais bela e nela o pornográfico é restrito.
No caso da sessão de fotos de Kathleen Neil, o belo, o feio e a pornografia estavam na cabeça de cada um. A mesma cena, ou o mesmo quadro, livro ou foto são interpretados pela cabeça de cada pessoa. Principalmente, o feio e a pornografia estão por inteiro nos olhos e no cérebro de quem contempla e não de quem (objeto ou gente) está sendo contemplado.