Márcia Denser*
Tendo em mente que até a CPI tem suas musas – que assumem mil formas sedutoras, embora pareçam não ter uma alma ou personalidade específica que as “anime” – tentemos mixar os dois temas – mulheres e política – à luz de uma reflexão antiautoritária, isto é, de um ponto de vista feminino/feminista.
Atualmente, se existe uma crise de representação da mulher no Ocidente, esta é política. Crise que envolve o processo de globalização intensificado a partir dos anos 90, quando a mulher ocidental retrocede, ao projetar novamente a imagem de mulher-objeto, voltando a agir como objeto do homem e não mais como sujeito da ação. Isso fica claro principalmente no cinema comercial norte-americano, onde, emblematicamente, ela passa a maior parte do tempo de joelhos a fazer felação no parceiro, embora, é claro, não fume.
O neoliberalismo combinado Thatcher-Reagan dos anos 80 constituiu-se para diluir, entre outras coisas, as conquistas dos movimentos feministas de 60/70, desagregadoras para o capitalismo. A esse neoliberalismo se une a ação da igreja católica na figura do papa polonês e do atual, alemão, ambos conservadores, impondo as políticas da “nova carismática”, práticas religiosas idiotizantes que substituem a “teologia da libertação” da década anterior. Teologia, aliás, já convenientemente massacrada em alguns países da América Central pelas forças norte-americanas (ver Noam Chomsky, Poder e Terrorismo – Entrevistas e Conferências Pós-11 de Setembro. Rio, Record, 2005).
Um puritanismo farisaico se impõe ao lado da hipocrisia do politicamente correto, incentivando a natalidade, condenando e proibindo o aborto, provocando uma nova explosão populacional que abrange não só as classes C e D, como uma nova B, constituída por uma média burguesia emergente da informalidade – inculta, massificada, despolitizada. Uma explosão demográfica que não interessa a ninguém, mas que, aos latino-americanos, e particularmente a nós, brasileiros, apenas prejudica, e cujas conseqüências, apenas vislumbradas, já são e serão gravíssimas (se em Brasília a demografia é uma ficção distante, aqui em Sampa é uma realidade atroz que nos fustiga há décadas diariamente!).
Aliás, a retomada da mulher como sujeito da ação (e da história) – algo que nem imagino como poderá ocorrer, dada a inconsciência reinante – necessariamente irá passar pela busca de uma voz própria, o que significa não ser falada pela língua, não vincular o discurso do Outro. Ao contrário, deslocar o discurso da Tradição para colocar o seu próprio, conquistando assim o direito à própria fala. E quem detém a palavra, detém o poder. Bom, pelo menos, no meu caso isso é um fato, n’est-ce pas?
Mas esse não é mais um problema só das mulheres do terceiro mundo, uma vez que se tornou um problema das mulheres do segundo e do primeiro, isto é, de todo o Ocidente, já que o retrocesso do feminismo – projetado na figura da musa universalmente de joelhos – é um fato universalmente visível. De Hollywood à CPI.