Com as mulheres constituindo, pela primeira vez na história da política brasileira, o núcleo duro do Planalto – ao lado da presidente Dilma, ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil), Ideli Salvatti (Relações Institucionais), Tereza Campelo (Desenvolvimento Social), Ana de Hollanda (Cultura), Izabella Teixeira (Meio Ambiente) e Miriam Belchior (Planejamento) o lançamento da obra Mulheres Prosa de ficção no Brasil, 1964-2010, organizada pela crítica e ensaísta carioca Marcia Cavendish Wanderley acontece na hora certa, malgrado, por incrível que pareça, não constituir uma jogada mercadológica, como seria de se esperar, inclusive até pelo recorte político de tempo (1964-2010).
Publicado pela FAPERJ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro , o livro tem sido preparado há anos pela autora e organizadora e traz um mapeamento pioneiro das escritoras brasileiras de ficção nas últimas quatro décadas, ou seja, das gerações de 60, 70 e 80, além de uma última parte incluindo as novas ficcionistas publicadas após 2000.
Segundo Cavendish, a obra não se propõe a ser um dicionário nem catálogo das escritoras brasileiras, mas registro e reflexão sobre a atuação das mulheres na prosa ficcional produzida desde 1964, marco histórico de um período negro da nossa vida social e privada, encerrado com o fim da ditadura militar até os primeiros dez anos deste século, quando o Brasil faz seus experimentos em direção a uma democracia mais plena.
Seguindo uma linha mais política e sociológica e menos canônica estética , a análise começa abordando gente que publicou em 60 e, neste ponto, a presença de Clarice Lispector é capital para a literatura brasileira de autoria feminina, principalmente quanto ao nível qualitativo (é considerada entre os cinco maiores romancistas brasileiros do Modernismo, ao lado de Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Mário e Oswald de Andrade): ela inova esteticamente enquanto problematiza e ilumina o complexo universo feminino.
Ainda nesta parte, chama-se atenção para o fato de que, com a abertura política (1979), a participação feminina na literatura aumenta sensivelmente no período 1975-1980, mas relativamente pouco escreveram sobre temas políticos na ficção (Luíza Lobo,1993). Então, comparece Lygia Fagundes Telles com o romance As Meninas, apontando as transformações na sociedade brasileira entre 60 e 70. Citadas também Cecília Prada e Zulmira Ribeiro Tavares.
Cavendish classifica as autoras por temática: na Vertente Histórica, ela ressalta as obras de Ana Miranda e Luzilá Gonçalves; na Vertente Política, Heloneida Studart e Marilene Felinto. Em A Derrisão como Fórmula abordando sexualidade e humor lá estou eu, Márcia Denser, Betty Milan, Luiza Lobo, Sonia Coutinho. Em Literatura e Mídia, Patricia Melo. Pelas novíssimas, surgem Adriana Falcão, Adriana Lisboa, Letícia Wierzchowski, entre outras. Naturalmente, autoras importantes como Hilda Hilst, Lya Luft, Marina Colasanti e Nélida Pinõn também são abordadas, não constado apenas do temário.
A notar, a ausência de duas gaúchas: Cíntia Moscovich e Tânia Faillace. Pode-se também lembrar Fernanda Young e Ivana Leite, na produção recente. Das gerações de 70/80, Myriam Campello, Olga Savary e Renata Pallottini.
Mas tanto na literatura quanto na política, a questão central que aqui se coloca é a da mulher pública a escritora como mulher que publica, e a política como servidora pública, gestora e administradora de fundos públicos, daí que, ponderadamente, eu pediria uma especial consideração das nossas dirigentes sobretudo da ministra Ana de Hollanda ¬ para este ensaio que, sob o enfoque da Sociologia da Literatura, aborda a participação, o envolvimento e a influência histórica da classe literária no Brasil, especialmente num momento de revisão da Lei de Direitos Autorais quando, segundo protestos que nos chegam de toda a parte, os principais interessados – os criadores não estão sendo ouvidos, escassamente representados e absurdamente representados por instituições e pessoas cujos interesses não atendem porque comercialmente não podem mesmo atender aos interesses dos escritores. Em síntese: deixar a questão dos direitos autorais somente a critério das editoras e livrarias é o mesmo que botar a raposa para cuidar do galinheiro.
Quanto ao livro, Mulheres na Prosa de Ficção no Brasil, um dado inquestionável se pode concluir: de há muito as escritoras e os escritores brasileiros deixaram o triste papel de ornamento crítico da sociedade (restando o mesmo, talvez, a alguns intelectuais, a exemplo do ex-presidente FHC), uma vez que, também de há muito, atuam de forma decisiva para a re-construção da alma deste país.
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