Vivemos num mundo em que, lamentavelmente, a violência contra as mulheres é uma trágica realidade. Sete em cada dez mulheres no mundo inteiro serão vítimas de algum tipo de violência física ou sexual ao longo de suas vidas. Esta é a conclusão do relatório das Nações Unidas (ONU) publicada no início deste ano sobre a violência contra a mulher no planeta. De acordo com a ONU, este tipo de problema social já se configura como uma “pandemia”.
O reconhecimento da ONU só reafirma o que já presenciamos todos os dias. E no Brasil não é diferente. Cada um de nós conheceu ou já tomou conhecimento de uma colega de trabalho, familiar ou amiga que foi vítima de violência sexual ou psicológica.
Ao contrário do que possa parecer, apesar de todas as conquistas das mulheres nos últimos anos, essa realidade só vem piorando. De acordo com o Mapa da Violência 2012, divulgado pelo Instituto Sangari, nesses últimos 30 anos, o número de assassinatos aumentou mais de 217%. Das 91 mil mulheres assassinadas no país entre 1980 e 2010, quase metade, 43,5 mil, foi morta na última década, justamente durante o período em que o PT esteve à frente do governo federal.
Essa situação também evidencia o problema da discriminação por cor, já que o número de homicídios de mulheres negras foi 45% maior do que entre as mulheres brancas.
Violência machista
Neste mês de setembro, um levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), revelou que a Lei Maria da Penha não reduziu o número de assassinatos entre as mulheres. A média de mulheres assassinadas nos cinco anos anteriores à aplicação da lei é a mesma que nos cinco anos posteriores. De 2001 a 2006, a média de mulheres mortas foi de 5,28 a cada 100 mil. No período de 2007 e 2011, foi de 5,22.
A falta de investimento público e o orçamento extremamente limitado são, sem dúvida, o principal obstáculo para a implementação da Lei Maria da Penha que, sem recursos para sua aplicação e ampliação, fica só no papel.
PublicidadeNo país que é governado pela primeira presidenta mulher, a conquista da Lei Maria da Penha sofre retrocessos significativos, como o corte imposto pelo governo Dilma de R$ 23,4 milhões no orçamento de 2012 da Secretaria de Políticas para as Mulheres. Para se ter uma ideia como o combate à violência não tem sido prioridade nos governos do PT, o orçamento na área de combate à violência contra a mulher sofreu redução de 50% entre 2009 e 2011. Entre 2007 e 2011, apenas R$ 132 milhões foram investidos nessa área. Por outro lado, o governo gasta quase metade do Orçamento da União com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.
O número de estupros também atinge níveis assustadores. Existe um problema na notificação desse tipo de crime, já que muitas vezes a vítima não registra queixa, seja por medo ou mesmo desconfiança das autoridades. Mas os poucos dados que se tem sobre isso já servem para mostrar a gravidade da situação. Entre junho de 2012 e junho de 2013 no Rio de janeiro, por exemplo, foram registrados nada menos que seis mil casos de estupros, segundo o Instituto de Segurança Pública do Estado. Outro dado preocupante: de acordo com o Ministério da Saúde, dos atendimentos relativos à violência doméstica ou sexual, 64% eram mulheres.
Como se essa realidade já não fosse trágica e degradante o suficiente, as mulheres vítimas de estupro correm agora o perigo de passarem de vítimas a rés, e os estupradores de criminosos a pai. É isso o que vai acabar acontecendo na prática caso seja aprovado o Estatuto do Nascituro, apoiado pelas bancadas religiosas. O Estatuto, que por incrível que pareça tem como um dos autores um deputado ex-petista (Luiz Bassuma, da Bahia), ataca o direito ao aborto nos casos de estupro, algo elementar e que é garantido no Código Penal desde 1940. Como contrapartida, estabelece uma compensação financeira à mulher, o que já foi batizado como “bolsa-estupro”. A medida é perversa e criminaliza a maior vítima desse tipo de violência arrasadora que é o estupro.
O Estatuto se priva de apontar que o maior crime ocorrido foi a violência contra a mulher, a agressão sexual que impôs a necessidade de decisão sobre a interrupção da gravidez. O Estatuto banaliza a violência contra a mulher e obriga as mulheres a carregarem a lembrança de um trauma para o resto da vida, criminalizando aquelas que não desejam levar adiante uma gravidez fruto de um estupro.
Ineficiência do governo
O governo da primeira presidenta mulher deste país não tem significado uma mudança qualitativa nas condições de vida das mulheres, principalmente das mulheres trabalhadoras. Além da odiosa violência machista, a desigualdade salarial de gênero persiste, assim como a falta crônica de creches.
No país que está se preparando para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, com obras faraônicas que se transformarão em imensos elefantes brancos, menos de 10% dos municípios contam com delegacias da mulher, e menos de 1% com casas abrigo, estruturas fundamentais para o combate à violência contra a mulher. Nem mil creches foram construídas pela presidenta, que prometeu 6 mil creches até o final do seu mandato, completado agora em 2014. Vale destacar que hoje a ausência de creches é um dos fatores determinantes para as mulheres não conseguirem se manter nos trabalhos e assim conquistarem sua independência financeira. As mulheres continuam tendo uma taxa de desemprego muito superior à dos homens e continuam recebendo salários inferiores aos dos homens, mesmo exercendo a mesma função. A defesa da bandeira de salário igual para trabalho igual, levantadas nas paralisações nacionais dos trabalhadores de julho e agosto, no entanto, tem sido ignorada pela presidenta. Ou seja, apesar de mulher, as reivindicações das mulheres trabalhadoras passam bem ao largo das prioridades de políticas públicas do governo de Dilma.
A discriminação de gênero é um grave problema social que atinge o setor que representa nada menos que 50% da classe trabalhadora desse país. Ou seja, não é uma questão apenas das mulheres, mas de todas as organizações de classe. Nessa sociedade em que vivemos, o machismo funciona para dividir e enfraquecer a classe trabalhadora. O combate a ele, portanto, é tarefa de todos. E como já vimos, as conquistas das mulheres, assim como do conjunto dos trabalhadores, só é possível com organização e muita luta, independente dos governos e dos patrões, sejam eles quais for.
Um bom exemplo da luta dos direitos e da organização das mulheres trabalhadoras ocorrerá no início de outubro em Minas Gerais. É quando ocorre o I Encontro Nacional do Movimento Mulheres em Luta (MML), uma organização feminista e classista, filiada à CSP-Conlutas.
Neste momento, estão ocorrendo pré-encontros preparatórios nos estados e a organização das caravanas que devem viajar à Sarzedo, na Grande Belo Horizonte, onde será sediado o evento. Estiveram presentes nesses pré-encontros estudantes, mulheres operárias da construção civil, petroleiras, bancárias, funcionárias públicas e etc. Espera-se mais de mil mulheres neste encontro que significará um passo adiante na luta contra o machismo e a exploração.