“Os orgasmos de Lady Chaterley devem ser de D.H. Lawrence porque eu não sinto assim”, disse certa vez Érica Jong, escritora ianque, atribuindo o comentário a uma leitora. Pois é, mas por que você mesma não os escreve?
O fato é que, desde o início dos tempos até hoje, a coisa não mudou muito. O discurso feminino já viajou bastante, mas raramente na voz do próprio Sujeito, constituindo uma espécie de casa da sogra (ou cu da Maria Joana), onde Deus e todo mundo dá palpite. Quer dizer, onde todo mundo fala, menos Ela e por uma razão bem simples: Não Sabe Escrever, nem Ler nem Pensar, salvo em determinados períodos bem marcados na História, como nos anos 70 – uma conjunção específica de Maria Rita Kehl e eu no geral, a invenção da pílula anticoncepcional em particular e o Movimento Feminista em si.
Voltando ao discurso feminino: infelizmente, a despeito das razões acima, o discurso feminino prossegue uma cacofonia de vozes sem dono, pior, predominantemente masculinas, configurando (como sempre) o discurso masculino da vez sobre a mulher, mas para a recepção – o leitor, o grande público, a galera – que desconsidera tais filigranas – é Ela quem fala, portanto é o Sujeito da Ação, conquanto até a década de 80, a Mulher fosse oficialmente definida como Objeto do Homem ou Mulher-Objeto. Tá em qualquer publicação da época, dos quadrinhos & nanicos, passando pelo Pasquin & teses de doutorado até a revista Playboy – uma espécie de Clichê Paradigmático Anos 70.
Mais recentemente, o que temos enfiado goela abaixo? Bruna Surfistinha, o filme. Em todas as tevês a cabo do país, no papel de Debora Secco (essa é pra pensar, repensar, ir e voltar voando, tipo quatro lances adiante do adversário), direção de Marcus Baldini e não dá outra: A Glamorização Oficial da Prostituição (posto que financiada por verbas idem, aliás o que já havia sido feito – a Glamorização ou Estetização retro – com a Violência & o Tráfego de Drogas na Literatura e no Cinema Pós-Modernos Nacionais, vide Cidade de Deus e Tropa de elite 1 e 2).
Até porque essa Bruna, isto é, o texto mui masculino do jornalista Jorge Tarquini, La Surfistinha, vulgo Dona Raquel Pacheco, também não deve saber escrever e ler, nem pensar, literalmente, como qualquer escritor que se preze, mas sabe “contar” (depoimentos incluídos) em termos de Mercado – uma operação rigorosamente matemática e não lingüística, digamos assim.
Por que, digamos, apenas para lembrar outra escritora que surgiu na Rede, Clarah Averbuck – que é bela, jovem, tem efetivamente um discurso literário e cujo trabalho também virou filme – não obteve a mesma projeção de magnitude, digamos, catastrófica, que essa Bruna? Simples: porque Clarah é escritora e das boas – engraçada, original – portanto, sujeito da ação – para fins acadêmicos – e dona do seu nariz.
Modernamente, antes de mim e minha personagem, Diana Marini (eu como Sujeito do Discurso, ela, da Ação, o que dá rigorosamente no mesmo), nos anos 60 houve Lúcia MacCartney, mas o Sujeito do Discurso (e só do Discurso, uma vez que a Ação ficava por conta da Ficção) era Rubem Fonseca, e voltamos à questão lá do começo, D.H. Lawrence no papel de Lady Chaterley, etc.etc.etc.
Mas acontece que agora já não estamos mais falando de Literatura, nem de Mulher, nem de Discurso Feminino e muito menos de Mulher Como Sujeito da Ação. Salvo as da Bolsa. E aí, tanto faz, se homem, mulher ou Jack Black.
Inequivocamente: se a mensagem que Bruna Surfistinha passa ao Grande Público é que o segredo do sucesso é virar puta, abrindo-se mão de tudo – projeto de vida, família, estudos, carreira e futuro –, então ela está dada.
Posso até imaginar a garotada incorporando a coisa:
P. O que você quer ser quando crescer?
R. Puta. Modelo & atriz já era, dançou.
No sancta-santorum mais esotérico da intelectualidade, alega-se “eclipse da moral” da sociedade e eu respondo: é pouco.