Por enquanto, estando certas as pesquisas, a candidata do PV à Presidência, Marina Silva, ainda não aparece como uma opção competitiva, a não ser como elemento a levar a decisão para um segundo turno entre Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB. O discurso de Marina, porém, no lançamento da sua pré-candidatura, no domingo (16), em Nova Iguaçu (RJ), mostra por qual caminho a senadora ambientalista pretende seguir para angariar votos.
Dilma, como dissemos aqui na semana passada, pauta com sucesso como mote da campanha a comparação entre o governo Lula – ao qual ela se apresenta como a natural candidata para dar continuidade – e o governo Fernando Henrique. Serra tenta fugir do debate colocado nesses termos e esforça-se para apresentar suas próprias realizações como administrador, desvinculadas de Fernando Henrique (tarefa que, a julgar pelas últimas pesquisas, começa a não dar bom resultado). Marina, tentando ultrapassar os dois, usa como tática buscar preencher as lacunas que, na sua avaliação, ficaram dos dois governos.
O problema maior para Marina é que essa tática fique, para a visão da maioria do eleitorado, numa escala de sutileza incapaz de ultrapassar a tendência maniqueísta do debate Dilma/Serra. Seu desafio – que no discurso se consubstancia quando ela diz que a eleição de outubro não pode ser mera disputa de biografias e de quem fez mais ou menos no passado – é conseguir inserir no debate algo diferente da ideia proposta por Dilma, de que o país avançou incontestavelmente nos últimos anos e que isso não é, como propõe a oposição, mera continuidade do que foi feito após o Plano Real, mas produto das escolhas feitas por Lula como presidente da República.
Que ela não seja unicamente a candidata do meio ambiente – como Cristovam Buarque, do PDT, nas últimas eleições foi unicamente o candidato da educação – parece ser uma preocupação do comando da campanha do PV. Mas, ao mesmo tempo, é essa condição de militante ambientalista a chave da diferença que ela teria para seus dois principais adversários, na visão de quem orienta a sua campanha. Marina, é o que se busca dizer nos seus discursos e outras peças da campanha, teria sido a única a despertar para uma realidade do mundo moderno: ou se buscam novos modelos de desenvolvimento, que preservem o meio ambiente, ou vamos condenar o próprio planeta em que vivemos. Tanto Dilma como Serra, é o que ela diz, estariam ainda comprometidos com modelos desenvolvimentistas que desprezam esse dado da realidade. São os impasses que ela teve com Dilma quando estava no governo, e que a levaram a sair do Ministério do Meio Ambiente e, depois, do PT.
Marina diz em seu discurso que essa não é a sua ideia. É uma ideia do momento, que se impõe. Chega a citar, nesse sentido, uma frase do escritor francês Victor Hugo: “Não há nada mais potente que uma ideia cujo tempo chega”. O problema é que esse não parece ser o mesmo nível de percepção da maioria do eleitorado, mais preocupado com problemas mais imediatos e mais concretos: emprego, segurança pública, etc.
Marina sabe que não ganha a eleição apenas com um discurso ambientalista. Ele é eficiente para uma parcela mais bem informada da sociedade, que já comprou a ideia da preservação e economiza água, usa eco-bags, etc. E é aí que seu discurso propõe o preenchimento das lacunas deixadas, no seu entender, pelas administrações Lula e Fernando Henrique.
Para fugir do maniqueísmo, Marina elogia ambos os governos. A discussão não é a de Dilma, diz ela. Não é determinar em que momento o país começou a alcançar seu atual estágio de desenvolvimento com inclusão social. Se é verdade, como propõe Dilma, que a inclusão na economia de 26 milhões de pessoas que antes estavam abaixo da linha de pobreza é produto das escolhas feitas por Lula, é verdade também que Lula não poderia ter feito essas escolhas se não tivesse havido antes o plano real e a estabilidade econômica. Ou seja: a partir do chassis produzido por Fernando Henrique, Lula montou seu carro. Poderia ter feito uma limusine para a classe alta. Construiu um bom carro popular, já com alguns itens de conforto, para as classes baixas.
Mesmo com o sucesso de uma política social que não é meramente assistencialista, como acusa a oposição (a candidata do PV a chama de “política social de segunda geração”, com transferência direta de renda), Marina diz em seu discurso que faltaram itens importantes. E, sem acusar diretamente, ela os ressalta. O primeiro ponto, que ela já tinha explorado em programas na televisão, diz respeito à prioridade à educação. Marina enxerga que Lula fez pouco nesse sentido. De forma sutil, sem falar diretamente, ela reforça a ideia que muitos têm de que o presidente despreza a educação formal, porque não foi por ela que ele alcançou o que é hoje. De origem parecida, analfabeta até os 16 anos, ela sempre procura mostrar que persistiu nos estudos até se formar em Pedagogia.
Como segundo ponto, ela fala em “intolerância à corrupção”. Tenta conquistar aí uma parcela do eleitorado que, depois do mensalão, diz ter ficado decepcionada com o governo Lula porque ele teria mantido as mesmas práticas e o mesmo descaso com o dinheiro público de governos anteriores.
E busca fazer uma associação do seu discurso ambiental com os problemas concretos da população ao falar em “sustentabilidade urbana”. O que seria isso? Seria resolver não apenas os problemas ecológicos, mas todos aqueles que comprometem a qualidade de vida das populações. A falta de saneamento básico, por exemplo, em Nova Iguaçu, cidade na qual ela discursava. Os problemas de segurança pública.
Marina vai nessa balada. Se Dilma diz que Serra representa o passado, e ela representa o presente e a garantia da sua continuidade, Marina tenta convencer os eleitores que ela é a representante do futuro. Conseguirá?
P.S: À medida que vai se aproximando a eleição, alguns leitores/eleitores vão deixando a elegância de lado e usando os espaços de comentário para ataques agressivos e pouco justos. O que está escrito aí acima não é necessariamente o que eu, pessoalmente, penso. Assim como o que havia na coluna da semana passada (centrada no discurso de Dilma) não o era também. O esforço que venho buscando fazer aqui é o de tentar traduzir, a partir das conversas que tenho, o que se passa na cabeça das pessoas que conduzem as campanhas presidenciais. Uma tentativa de contribuição para ajudar na escolha de cada um, até porque ainda há muita gente que não fez sua escolha. Dito isso, informo que não pretendo mais ficar respondendo a quem acha que conseguiu advinhar se eu sou petista, dilmista, marinista, ex-cirista, etc, e fica propagando a sua pseudo-perspicácia por aí.