Ana Paula Oriola De Raeffray*
A previdência complementar para os servidores públicos resulta das reformas da previdência social ocorridas em 1998 e 2003, por meio, respectivamente, das Emendas Constitucionais nº 20 e nº 21, as quais introduziram a possibilidade de fixação de um teto para os benefícios pagos a este grupo de pessoas, na forma prevista no artigo 40, da Constituição Federal.
Em contrapartida ao teto imposto aos benefícios, possibilitou-se, em sede constitucional, a instituição de entidades fechadas de previdência complementar pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, com o objetivo de administrar planos de complementação de aposentadoria e de pensão para os seus respectivos funcionários.
Todo este movimento de reforma tem como fundamento óbvio a diminuição das despesas do Estado com o pagamento das aposentadorias e das pensões de seus funcionários, que em 2010, segundo consta do Anuário Estatístico da Previdência Social, foi de R$ 77,91 bilhões.
Se o objetivo é diminuir as despesas do Estado, então porque há um esforço político concentrado para que tudo permaneça exatamente nas mãos do próprio Estado? Há, certamente, uma efetiva contradição neste aspecto, haja vista que pretendem transformar as entidades fechadas de previdência complementar que administram os benefícios dos servidores públicos em fundos estatais, como está para acontecer com a Funpresp – Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal –, que se encontra em processo de aprovação perante a Câmara e o Senado Federal.
Essa possibilidade de transformar o que é privado em público infelizmente nasce da imprecisão do disposto no §15, do artigo 40 da Constituição Federal, ao conter determinação no sentido de que o regime de previdência complementar dos servidores públicos deve ser instituído por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar de natureza pública.
Essa natureza pública possibilita uma gama imensa de interpretações, até a que mais interessa politicamente, que é a de que essas entidades devem ser controladas pelo Estado, muito embora administrem interesses individuais e privados, afetos aos empregados do Estado, haja vista que as contribuições que serão vertidas, tanto pelos servidores quanto por seus empregadores, são de natureza privada.
Diante da fórmula constitucional, portanto, as entidades de natureza pública administrarão recursos financeiros privados em caráter fiduciário, em um modelo novo de atuação. No entanto, a novidade do modelo não pode possibilitar que a entidade fechada de previdência complementar torne-se uma entidade estatal, como está a ocorrer com a Funpresp, cuja organização contará, de acordo com o projeto de lei, com membros gestores indicados pelo presidente da República, pelo Congresso Nacional e outras pessoas políticas. Ou seja, a entidade, cujo patrimônio previdenciário será bilionário, será gerida de acordo com interesse político e não de acordo com o interesse privado que move todo e qualquer fundo de pensão, que é o de conceder os benefícios previdenciários.
A Lei Complementar nº 108, de 2001, aliás, já havia desenhado o modelo das entidades fechadas de previdência complementar instituídas pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, bem como por suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas. Nesse modelo, a entidade é privada, havendo, entretanto, mecanismos de rígido controle sobre a sua gestão.
Toda a questão em torno das entidades de previdência complementar dos servidores públicos está concentrada na sua gestão. Em suma, quem terá o poder de decisão sobre o patrimônio previdenciário? Quem terá a decisão sobre os investimentos? Qual o papel institucional da entidade?
No entanto, se a gestão das entidades em tela permanecer engessada nas mãos do Estado, então de nada terá valido a reforma. Afinal, a almejada economia no pagamento dos benefícios previdenciários dos servidores públicos somente virá se, de maneira efetiva, houver uma gestão eficaz, prudente e profissionalizada, como ocorre nos fundos de pensão privados.
*Advogada, sócia do Raeffray Brugioni Advogados e doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC de São Paulo