Cláudio Damasceno *
Quando o ministro Joaquim Levy, da Fazenda, anunciou as linhas-mestras do ajuste fiscal, viu erguer contra ele uma tempestade de críticas e reações de má vontade. Boa parte delas de grupos que pensam paroquialmente, mais interessados em fazer política, em não perder privilégios, do que realmente ajustar as contas. Mas, tirando essa gente e outros que não concordam porque vão ficar sem discurso político-eleitoral, a freada nos gastos pode ser feita de maneira suave e sem sustos. Para tanto não há milagre, mas sim investimento num setor-chave: a Receita Federal.
E existe um exemplo pronto e acabado, que deveria ser seguido não somente pelo Fisco da União, mas pelos de todas as unidades da Federação. Vem do Pará e está em curso desde dezembro de 2011.
O estado ampliou a arrecadação de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) em 37,9% em quatro anos, e sem mexer na alíquota. A Receita paraense saltou da 14ª para a 11ª colocação no ranking nacional de maior arrecadação do tributo.
Como se deu o “milagre da multiplicação” no ICMS? Um dos elementos para que a equação fechasse positivamente foi o fortalecimento do Fisco estadual. Em dezembro de 2011, foi sancionada a Lei Orgânica do Fisco (LOF) do Pará, que prevê mecanismos de ampliação da atuação da Receita estadual, aprimoramento dos sistemas de proteção antissonegação e melhoria na remuneração dos auditores. Só poderia dar no que deu: a partir de 2012, a arrecadação ganhou impulso.
Depois de sancionada a LOF paraense, a atuação dos agentes do Fisco foi responsável por mais da metade do total de recursos que entraram nos cofres do estado em 2014. Houve ampliação da base arrecadatória, e não mudança de alíquota, o que representa dizer que o bom contribuinte não foi punido com mais imposto. O recurso adicional veio do arrocho sobre o mau pagador.
O resultado deste salto está aí, à vista de todos: entre as 27 unidades da Federação, só o Pará vai escapar da recessão em 2015, segundo conclusões da equipe de economistas do banco Santander. Não haverá crescimento do PIB, mas também não será o desmazelo que os demais estados e o Distrito Federal estão projetando para o fechamento do ano por conta da crise. Por sinal, o assunto foi manchete na imprensa, em 15 de outubro.
Não é de agora que o Sindifisco Nacional vem alertando o Palácio do Planalto para o papel que os auditores da Receita Federal podem exercer na elevação da arrecadação federal, sem que isso implique na majoração ou na criação de tributos – algo que é consenso entre todos os estratos sociais, visto que é sabido que a quantidade de recursos que entra no caixa do Tesouro é inversamente proporcional ao investimento do governo na promoção do bem-estar social.
O Sindifisco entregou ao secretário Jorge Rachid sugestões – dentre as quais a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 186/07, definidora das prerrogativas das carreiras das administrações tributárias, e a Lei Orgânica do Fisco – que demonstram a necessidade de maior atenção com o quadro dos auditores. Somente assim haverá mais arrojo nas ações de fiscalização, cujo resultado natural é o incremento da arrecadação.
O curioso em todo esse processo é que uma experiência bem sucedida está à vista e ao alcance dos gestores públicos brasileiros. E seria mesquinho, para dizer o mínimo, ignorá-la somente porque o Pará vem sendo dirigido há quase seis anos por um governador de um partido de oposição ao governo federal (Simão Jatene, do PSDB).
Os auditores fiscais estão onde sempre estiveram: prontos para contribuir com o país. Mas não será pela via do voluntarismo, pois que medidas amadoras na arrecadação são inconcebíveis. O resultado da falta de cuidado e de investimento com a Receita Federal é que todos nós, sem exceção, pagamos mais impostos do que deveríamos.
* Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional)