Não é novidade. Todos sabemos que, na vida, desde que nascemos, só uma coisa é certa: a morte. A incerteza são o dia e a hora.
Infelizmente, nesta certeza não há um cronograma mínimo, como, por exemplo, definir que os mais velhos morram antes dos mais novos e que filhos nunca antes dos pais e avós.
Mesmo quando o “cronograma” é obedecido e os mais velhos morrem antes, na maioria das vezes a morte é algo inaceitável. Na morte, invariavelmente, há a surpresa. E, irreversivelmente, a tristeza e a saudade, já no momento seguinte. Assim estou agora.
Neste último final de semana, perdi a minha mãe. Idosa, aos 85 anos, com a saúde debilitada. Mesmo assim, até pouco tempo atrás caminhava em média um quilômetro por dia. E subia pelas escadas até o terceiro andar do prédio onde morava. Eu não esperava, portanto, que o tempo que lhe restava de vida fosse tão curto.
Ao receber a notícia da morte de alguém, cada pessoa tem um comportamento diverso. Se a notícia for a da morte de uma pessoa amada, creio que a reação é ainda mais distinta. Escrevo isso por mim. Ao receber a noticia do falecimento da minha mãe, às seis horas da manhã, senti um nervosismo ansioso.
Não sei descrevê-lo e tampouco o que consegui conversar, ao telefone, com minha irmã, que naquele momento me dava a notícia. Só me lembro que pedia a ela que ficasse tranquila.
Tento reconfortá-la ou fazer com que ela compreendesse a morte. Fiz isso, mas não sei se era preciso e tampouco se era correto para aquele momento.
Após o impacto da informação, fico deitado por alguns minutos, ou melhor, fico recostado, não sei se por dez ou quinze minutos. Recostado me ponho a pensar: a mãe tinha medo de morrer e morreu sem saber que morria. Esta é a boa morte. A morte sem dor, sem saber que está morrendo. Deitou, não reclamou, dormiu e foi para sempre.
Fico estático buscando o próprio reconforto: não há final diverso para ninguém. Todos chegaremos ao destino final e sabemos disto desde que começamos a entender a vida. Desde que começamos a agir com a razão.
Sabemos o final e não o queremos. São poucas as pessoas que o desejam, que o buscam. A maioria busca, mesmo sabendo que não obterá, a vida eterna e, de preferência, com uma eterna juventude.
Ainda no dia anterior à morte de minha mãe comentei com um amigo. Disse da idade, da enfermidade cardíaca e da vida sofrida que levou. A grande maioria das mulheres da geração dela teve uma vida penosa, sofrida. Uma vida de intenso trabalho.
Todos os dias foram dias de trabalho. A mãe foi assim até poucos anos atrás. Vivia sozinha desde que o pai faleceu, não queria ajuda e nem companhia. Foi assim até 2010, quando sua saúde se tornou precária. Trabalhou desde criança. Quem é criado na roça não sabe a idade, não sabe o dia em que começou a trabalhar. Foi assim com ela.
Trabalhou na roça, em casa e cuidou das crianças: quatro filhos biológicos e uma adotada. Teve cinco gestações, sendo que em uma delas teve um natimorto. E, por morar no sítio e todos os partos terem sido feitos em casa, não se sabe a causa da morte deste feto.
A mãe sempre teve medo da morte e, no entanto, teve um filho que não viveu, não viu a vida. E que, “felizmente”, morreu sem saber que morria.
Talvez eu tenha sido o filho, por ser o mais velho e médico, que viveu com ela os maiores e piores momentos de tristeza. Todas as vezes em que ela foi internada, fui quem mais a acompanhou ao hospital.
Acredito que a mãe teve, na maior parte do tempo, uma vida penosa. A solidão de uma mulher que tinha muito o que fazer, que muito trabalhou. A solidão opressiva da família tradicionalmente machista. A vontade de ver os filhos estudando, e a maioria da família contra.
A doença do pai, que eu saiba e que todos sabemos da família, o único homem que ela teve na vida, e o acompanhamento de seu sofrimento. Ela se dedicou tanto ao pai que, no período de sua doença, não teve tempo para adoecer. Ficou doente dias depois que o pai morreu.
Agradeço as mensagens de apoio enviadas por muitos. Aqui reproduzo a de Maria Cláudia, que é a síntese de todas: “As mães trabalham muito, se preocupam muito. Elas merecem descansar! Que ela descanse em paz!”
Dr. Rosinha, médico pediatra, foi deputado federal pelo PT do Paraná