Celso Lungaretti*
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem o péssimo hábito de falar pelos cotovelos, de improviso, deixando evidenciada a falta de requisitos básicos para o cargo que ocupa, como a isenção, o equilíbrio e o conhecimento de episódios marcantes de nossa História.
Deveria exercer o papel de árbitro, pairando acima das contendas políticas. Prefere nelas intervir da forma mais estabanada, tornando-se parte do tiroteio.
Não cabe, p. ex., a um presidente bater boca com uma ex-funcionária da Receita Federal. No entanto, isto só não aconteceu porque ela esquivou-se de responder ao seu desafio infeliz. Dos dois, foi Lina Vieira quem manteve a compostura.
Nesta terça-feira (18), Lula pisou pela enésima vez na bola, ao esforçar-se por defender quem a opinião pública acertadamente já condenou.
Na condição de presidente do Senado, José Sarney não só deixou que fosse cometido um sem-número de delitos e favorecimentos ilícitos, como também deles se beneficiou. Isto já era mais do que suficiente para que deixasse de presidir a Casa.
Veio o excelente trabalho jornalístico de O Estado de S. Paulo no último fim de semana e comprovou irrefutavelmente a existência de relações promíscuas entre Sarney e as empreiteiras. Desde então, já não há mais nada a se discutir. Ou Sarney cai ou é a imagem do Senado que despenca, aos olhos de todo cidadão consciente deste país.
Aí vem Lula e tenta negar, perdoem-me o trocadilho, o óbvio ululante. Deram um flagra no Sarney que, fosse este um país sério, o faria não só perder a presidência do Senado e o próprio mandato, como também a liberdade para delinquir.
Senador que é remunerado com apartamentos para, usando seu poder e influência, prestar serviços escusos a empreiteiras, seria engaiolado por qualquer Operação Mãos Limpas que aqui houvesse.
Só que dificilmente haverá alguma, caso contrário se teria de convocar novas eleições, tantas seriam as cadeiras vagas no Legislativo.
Desqualificar tudo isso como “oba-oba do denuncismo” foi uma das frases mais infelizes da interminável coleção de Lula.
Idem, repetir o absurdo de que defender Sarney “é menos do que apoiar um homem, é apoiar a instituição”. Pelo contrário, Sr. Presidente, nada há de mais nocivo para as instituições do que a impunidade dos que as enlameiam.
E Lula acabou sua peroração com um verdadeiro samba do crioulo doido:
“Getúlio Vargas foi levado ao suicídio porque era chamado de ladrão e corrupto todo dia. Juscelino Kubitschek era chamado de ladrão todo dia pelos denuncistas da época, a UDN moralizadora – a direita está cheia de ética para vender. Jânio Quadros renunciou por causa de forças ocultas, João Goulart caiu algum tempo depois, depois foi o Collor”.
Getúlio Vargas foi levado ao suicídio porque um aloprado da sua guarda pessoal cometeu um atentado contra o opositor Carlos Lacerda, ferindo-o no pé e matando o major da Aeronáutica que o acompanhava. As meras denúncias não teriam sido suficientes para apeá-lo do poder.
Face à lambança de Gregório Fortunato e as evidências de que fora açulado por Benjamim Vargas, irmão de Getúlio, nada mais havia a fazer: ou sair pela porta do fundo, como um cão chutado, ou pela porta da frente, num caixão. Optou pela saída digna e, com sua carta-testamento, frustrou as maquinações da UDN.
Todo homem público está sujeito a denúncias, algumas justificadas, outras não. Mas ninguém pegou JK com a boca na botija, da maneira como agora foi apanhado Sarney, então o presidente bossa-nova terminou seu mandato normalmente.
Jânio Quadros pateticamente alegou ter sido derrubado por forças ocultas, quando o que houve foi uma tentativa bisonha de dar um golpe de estado e estabelecer uma ditadura pessoal que lhe permitisse submeter o Congresso a seus desígnios. Com sua trapalhada, criou condições para o golpe de 1964.
As denúncias de corrupção foram mesmo um dos motes propagandísticos que os golpistas usaram contra João Goulart, mas não o principal. O espantalho nº 1 era a pretensa “entrega do Brasil aos comunistas”. Se há algum ponto de contato entre as situações de Goulart, esquerdista moderado, e Sarney, coronelão de direita, a mim me escapa.
Só num ponto Lula está 100% certo: os delitos que determinaram o afastamento de Collor em 1992 são equivalentes aos que tornam imprescindível o afastamento de Sarney em 2009.
Lamentavelmente, não é mais ao lado dos caras-pintadas que Lula se posiciona.
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* Jornalista e escritor, mantém os blogues Náufrago da utopia e O rebate: