Na nova versão de Gabriela, que a TV Globo transmite no horário que der (depois reclama que a audiência está menor do que gostaria), uma das histórias mais comoventes é a de Lindinalva.
Lindinalva é filha de um comerciante, dono de um armarinho. Ela se torna noiva do filho de uns dos riquíssimos coronéis do cacau de Ilhéus. Ela, portanto, de uma família bem mais simples do que ele. Um dia, os pais de Lindinalva pegam um ônibus para Itabuna e morrem na estrada, em um acidente automobilístico. O pai levava consigo todas as economias que tinha, para fazer negócios na outra cidade. Morto, acaba sendo roubado. Lindinalva fica órfã e sem nenhum tostão para sobreviver.
Ela não consegue a solidariedade de ninguém na cidade. Acaba tendo de aceitar a ajuda de seu noivo. Que, porém, lhe cobra um preço que à época era considerado muito alto: sua virgindade. O fato, porém, vem à tona e vira escândalo. Para a sociedade de Ilhéus, torna-se inadmissível que o filho do coronel se case com uma moça que não é mais donzela. Para todos, pouco importa que quem a desvirginou tenha sido o próprio noivo. “O homem nunca é culpado. Ela é que não podia ceder”, repetem todos. Resultado: Lindinalva, com a reputação arrasada e sem dinheiro, vai acabar no prostíbulo.
Dado o avanço moral da sociedade neste início de século 21, se Lindinalva fosse uma moça de hoje não seria muito surpreendente se ela postasse fotos de biquíni no seu perfil no Facebook. Não seria nenhum escândalo se ela transasse com seu noivo ou namorado antes do casamento. Se os dois tivessem o estranho fetiche de filmar seus atos sexuais, fariam algo que se tornou comum, nestes estranhos tempos de exposição excessiva em que vivemos. Tudo, aparentemente, bem mais moderno. Aparentemente, porque, no fundo, o viés de hoje continua igualmente machista.
Lembro de Lindinalva a cada notícia que leio a respeito de Denise Leitão Rocha, a ex-assessora do senador Ciro Nogueira. Ela é advogada. Mas, loura e bonita, e, certamente vaidosa, Denise gosta de postar fotos de biquíni no Facebook. Como muita gente nestes estranhos tempos, aceitou ser filmada numa relação sexual com seu namorado. Ele também, pelo que parece, assessor parlamentar. Suspeita-se que ele, não ela, vazou na internet o tal vídeo de sexo.
O caso vem à tona e vira escândalo (a repetição literal da frase que está a três parágrafos acima é totalmente proposital). Para todos, pouco importa que quem filmou e vazou na internet, como se suspeita, tenha sido o namorado (a repetição quase literal da frase que está a três parágrafos acima é totalmente proposital). Denise foi totalmente exposta. Execrada. No noticiário de quase todos os veículos, virou o “furacão da CPI” ou “vulcão da CPI”. Para ilustrar as matérias, quase sempre suas fotos de biquíni. Denise foi demitida. Sua presença “constrangia” o senador Ciro Nogueira, que nunca se constrangeu de, por exemplo, aparecer ao lado do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti.
Consta que o namorado de Denise, o que é suspeito de ter vazado o vídeo, também é assessor parlamentar no Congresso. Mas seu nome nem se sabe ao certo. Chegou-se a falar de um homem, mas não há certeza se é mesmo ele. Sabe por que razão? Porque Denise, o “vulcão”, mesmo vítima, o preserva. Se é mesmo assessor parlamentar, sua presença não constrange seu chefe. Ele está lá, trabalhando. “Ah, ele é homem. Homem nunca tem culpa”.
Agora, Denise está exposta. Sua reputação totalmente comprometida. A mais importante revista masculina do Brasil planeja fazer dela capa de uma das próximas edições. Imagino o final da história se Denise aceitar o convite. “Ah, não disse como essa vagabunda só queria se promover?”, dirão por todos os lados. Como disseram coisa bem semelhante de Lindinalva quando ela acabou entrando pela porta do prostíbulo.