Vicente Sevilha Júnior*
Conta-se, na mitologia grega, que os Titãs, forças do caos e da desordem, existentes no início da história da Terra, tentaram assumir o poder invadindo o Monte Olimpo. Zeus, triunfante, os derrotou e condenou a todos ao Tártaro, região mais profunda do mundo, para que de lá, nunca fugissem. Apenas um dos Titãs teve um destino diferente: Atlas, que foi condenado à sustentar em seus ombros a esfera celeste. Certamente, você já deve ter visto por aí uma imagem de Atlas, com o “mundo” nas costas.
Eu conheço muita gente que se confunde com Atlas e que se autoimpõe a sofrida pena de, também, carregar o mundo nas costas. São pessoas que, normalmente, acreditam que as coisas não acontecem se elas não estiverem presentes e cuidando de todos os detalhes e que, em última análise, acabam sofrendo muito com este comportamento.
Pessoas que vivem essa dificuldade, simplesmente não conseguem lidar bem com as férias e acabam reagindo de alguma destas maneiras:
– Nunca tiram férias;
– Tiram férias, mas não conseguem relaxar e acabam voltando ao trabalho muito antes do seu término;
– Tiram férias picadinhas – você sabe: uma semana aqui, dois dias acolá, e nunca reservam um período completo para seu descanso;
– Tiram férias, mas não se desligam do trabalho. Levam todas aquelas parafernálias eletrônicas e ficam na praia, acessando e-mail e cuidando de trabalho.
É muito fácil ser vítima deste tipo de comportamento porque, inicialmente, ele passa uma aparência de dedicação, abnegação e altruísmo.
Onde mora o perigo?
O problema é que, a médio e longo prazos, esse tipo de comportamento traz uma série de patologias muito sérias, que podem levar a sérias consequências à saúde e, via de regra, tudo começa com o estresse.
As férias têm uma primeira missão que é permitir ao indivíduo que se desligue das pressões cotidianas, de forma a revalidar seus conceitos e rever suas posturas. Em paralelo, elas ainda permitem que o organismo se recomponha e que se desfaçam os estragos causados pelo ritmo acelerado de nossa rotina. De quebra, ainda é uma excelente oportunidade para convivermos com aquelas pessoas que nos são mais queridas, fortalecendo os importantes laços afetivos que dão sustentação ao nosso bem estar.
Pode olhar ao seu redor. Aquelas pessoas que mais trabalham e nunca tiram férias são, em geral, as que estão sempre mal humoradas, com problemas de saúde e, ainda por cima, vivem com seu trabalho atrasado e acumulado. Querem saber por quê?
É muito simples, voltando ao exemplo de Atlas: como a danação dele é carregar o mundo nos ombros o tempo todo, ele nunca se preocupou em construir um pedestal para colocar o mundo de vez em quando.
Deixa eu explicar melhor. Para poder tirar suas férias, você precisa manter seu trabalho em ordem e preparar, dentro de sua empresa, uma ou mais pessoas para cuidar das coisas durante sua ausência. Isso é o que Atlas faria se quisesse preparar um pedestal, entendeu?
Então, são necessárias duas coisas para você poder tirar suas férias tranquilo: organização sua e confiança em treinar alguém sem medo de que ele roube o seu lugar ou o seu status.
Talvez, olhando sob este prisma, quem nunca tira férias não seja tão abnegado e altruísta assim. Talvez esse tipo de profissional seja até um tanto desorganizado e desconfiado. Talvez, pior dos mundos, as empresas e os clientes até acabem percebendo isto, mais cedo ou mais tarde.
Progredindo na carreira
Outro problema de nosso titã Atlas é que muitas coisas acontecem ao redor dele, mas, como ele não tem um pedestal para colocar a esfera celeste de quando em quando, acaba não participando dessas outras coisas.
Agora, pare e pense um pouco em sua rotina profissional. Quando as oportunidades aparecem dentro de sua empresa, como por exemplo, uma promoção. Você realmente acha que seus superiores apenas analisam as suas habilidades para ocupar o novo cargo e nada mais?
Pois eu vou te ajudar a ampliar esse pensamento. As empresas levam em conta duas coisas antes de te promover: a primeira é se você tem capacidade para o novo cargo, e a segunda é o quanto vai ser difícil preencher a vaga que você ocupa atualmente. Consequência disso é que, quanto mais em ordem estiverem as suas funções e mais fácil for entregá-las para alguém, maiores as chances de seu nome ser considerado para uma promoção.
E o quadro não é diferente se você é um empresário. Quanto mais você puder treinar e preparar sua equipe para assumir e realizar tarefas que só você faz, maior será sua capacidade de assumir outras tarefas e, portanto, de fazer sua empresa crescer.
Aí, você vai me perguntar: mas e as férias com isto? E eu vou responder: as férias são o exercício que te leva a preparar-se para chegar nesse nível de excelência no qual você consegue transferir suas tarefas para outros e se tornar disponível para novas tarefas.
Então, ai vai minha sugestão: você deve pensar nas férias como uma necessidade para você e também como uma grande oportunidade. Use-a como um marcador importante do seu desempenho cotidiano e, esforce-se para que, quando chegar a hora, você possa descansar e aproveitar os frutos de seus esforços.
Quer outra sugestão: durante suas férias resista à tentação de se manter em contato com o trabalho. Nada de bugigangas eletrônicas que te mantenham conectado à empresa. Nada de ligar de quando em quando para saber como vão as coisas. Vá para suas férias e só volte a falar com a empresa quando acabar seu descanso. Como diria Ricardo Semler: “Em suma: suma”.
*Contabilista e especialista em planejamento financeiro, autor do livro Assim Nasce Uma Empresa
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