Ronaldo Brasiliense*
Num país injusto como o Brasil, onde a Justiça cada vez mais se destina a condenar pretos, pobres e prostitutas, como criticava o saudoso jurista Heleno Fragoso, decisões como a adotada na quinta-feira, 23, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) só fazem aumentar a descrença dos brasileiros no Poder Judiciário.
Por seis votos a cinco, o Plenário do Supremo concedeu habeas-corpus a um pastor evangélico acusado de molestar crianças. O pastor, que havia sido condenado por crime hediondo, agora poderá ter direito à progressão do regime da pena. A lei dos crimes hediondos vedava a progressão, determinando que o preso ficasse sempre em regime fechado.
É um precedente perigoso, pois a decisão do STF abre caminho para que outros condenados por crimes hediondos recorram à Justiça pedindo o mesmo direito. A concessão do benefício vai depender, é verdade, de alguns requisitos a serem analisados pela Justiça, como bom comportamento, por exemplo. Mas a porteira foi aberta e, por ela, uma boiada pode passar.
Estupradores, assassinos de aluguel de defensores dos direitos humanos, torturadores, escravocratas e outros criminosos que tenham cometido crimes considerados hediondos pela legislação brasileira poderão receber o benefício da progressão da pena. No Brasil, qualquer pessoa condenada por crime não considerado hediondo poderá requerer liberdade condicional, o cumprimento da pena em regime semi-aberto, se já tiver cumprido um sexto da pena.
Vem à memória uma pergunta que fiz em março de 1993, em uma entrevista para a revista Istoé, ao então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, em plena crise do impeachment do então presidente Fernando Collor, envolvido com um esquema de corrupção montado por seu ex-tesoureiro de campanha, o falecido PC Farias:
– Existe alguma chance de o ex-presidente Collor ir para a cadeia?
Aristides Junqueira respondeu:
– Corrupção passiva, Artigo 317 do Código Penal. Tenho a pena mínima de um ano e máxima de oito anos de reclusão. Se o réu é primário e se não há circunstâncias que possam agravar a pena, o juiz terá que aplicar a pena mínima. Formação de quadrilha ou bando, Artigo 228 do Código Penal. Tenho aqui a pena de reclusão de um a três anos se o réu é primário. Se não houver nenhum agravante, o juiz tem que dar a pena mínima. Somando o crime de quadrilha ou bando com corrupção passiva, levando-se em consideração a pena mínima, eu terei o máximo de dois anos de reclusão. Sendo o réu primário e com bons antecedentes, ele tem direito ao que chamamos sursis – suspensão condicional da pena.
Bem, todos sabem que Fernando Collor nunca foi preso e que suas falcatruas com PC, hoje, comparadas ao valerioduto operado por Delúbio Soares – pelo volume de dinheiro movimentado – parecem coisas de batedor de carteira ou ladrão de galinha.
É por isso que aproveito para fazer um apelo ao ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e ao próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim: ajam com celeridade para que todos os milhares de brasileiros que estão na cadeia, muitos deles sem sequer terem sido levados a julgamento, por crimes como roubos de galinhas ou furto de comida em supermercados, sejam imediatamente libertados. Só assim a Justiça – cega – terá alguma chance de crescer junto aos olhos da população.
Deixe um comentário