Euro Bento Maciel Filho *
A Lei Maria da Penha completou, recentemente, sete anos de vigência. À época da sua publicação, a Lei 11.340/06 foi muito festejada pela sociedade em geral, já que tinha como principal objetivo coibir, com rigor e destemor, a violência doméstica contra a mulher.
A lei veio em excelente hora, vez que, infelizmente, a prática de atos violentos contra a mulher sempre fez parte da nossa história. Inclusive, não é preciso muito esforço para recordar de inúmeros casos judiciais em que o homem, ora movido por um “amor” cego, ora pelo ciúme doentio (verdadeiro sentimento de “posse”) e, às vezes, por puro sadismo, descontou na companheira ou esposa as suas frustrações e o seu ódio.
Em tais situações, quando a violência masculina resultou em morte ou lesões graves na vítima, é bom dizer que o Poder Judiciário sempre teve, como de fato tem, total capacidade para punir, severamente, o agressor. Nesses casos mais graves, a ação penal é de iniciativa do Ministério Público, o que, na maioria das vezes, já se apresenta como razão suficiente para impedir que o fato permaneça “impune”.
Ou seja, a necessária atuação do Ministério Público nos casos mais graves é, sem dúvida, uma garantia de que o crime será, pelo menos, analisado pelo Poder Judiciário.
A Lei Maria da Penha sempre teve como objetivo proteger a mulher em todo e qualquer caso de violência doméstica. Contudo, nos casos mais graves, lamentavelmente, a proteção almejada nem sempre é alcançada, já que, quando o homem “endoidece” e pratica atos brutais de violência, não existe lei alguma que possa garantir a integridade física de quem quer que seja.
Sendo assim, é bom dizer que o grande mérito da Lei Maria da Penha foi o de combater com mais rigor a violência doméstica mais comezinha, aquela que se dá no cotidiano do casal, normalmente decorrente de uma discussão mais acalorada ou da embriaguez do marido. Nessas situações, via de regra, os resultados das agressões físicas são alguns hematomas, arranhões e, eventualmente, pequenas fraturas. Entretanto, vale aqui mencionar que essas agressões corriqueiras, justamente porque visam a desestabilizar o orgulho e a autoestima da mulher, são as que deixam marcas psicológicas mais profundas, verdadeiras feridas na alma feminina que jamais serão curadas.
Dentro desse contexto, a adoção das chamadas medidas protetivas de urgência impostas em face do agressor (previstas no artigo 22, da Lei 11.340/2006) tornou-se meio eficaz para conferir uma maior proteção à mulher, em que pese o problema inerente à falta de fiscalização da(s) medida(s). Da mesma forma, a possibilidade de se prender preventivamente o agressor (artigo 20, da mesma lei) também é outro instrumento que se mostrou importante para inibir as agressões.
Ao longo desses sete anos, a Lei Maria da Penha mostrou-se importante não só para alertar a sociedade para o problema atinente à violência contra a mulher, mas também, e principalmente, para conferir à mulher uma proteção mais eficiente no seu cotidiano, sobretudo contra as agressões mais simples e corriqueiras.
Porém, infelizmente, estamos longe de resolver a questão. Recente pesquisa realizada pelo Ipea indica que a taxa de “feminicídios” (homicídio da mulher por conta de um conflito de gênero, ou seja, pelo simples fato de ser mulher) após a publicação da Lei 11.340/2006, ou seja, entre os anos 2007 e 2013, foi de 5,22 em cada 100 mil mulheres. Já entre 2001 e 2006 (ou seja, antes da Lei), a taxa aferida foi de 5,28 em cada 100 mil mulheres. Nota-se, portanto, que, mesmo com a publicação da Lei, o índice não caiu da forma como se esperava, aliás, manteve-se quase idêntico ao período anterior.
É bem verdade que a Lei Maria da Penha, em razão dos novos instrumentos de proteção que trouxe ao cenário jurídico, não se destina mesmo a coibir “feminicídios” ou casos graves de violência praticada contra a mulher, afinal, como já dito, quando o homem resolve praticar um ato bárbaro contra a sua companheira, não é a lei que irá segurá-lo. Ele simplesmente o faz, sem aviso prévio, e pronto!
Agora, é claro que tal levantamento preocupa, e muito. Contudo, é justamente por acreditar que a Lei 11.340/06 mostra-se muito mais eficaz para coibir a violência doméstica do “dia a dia” que considero, de forma até otimista, que, em um prazo mais longo, aquelas estatísticas devem diminuir. É que, se coibirmos o “pequeno agressor” de hoje, certamente, poderemos evitar, ou, ao menos, minorar os casos mais graves de violência contra a mulher no futuro.
* Advogado criminalista, mestre em Direito Penal pela PUC-SP e sócio do escritório Euro Filho Advogados Associados – eurofilho@eurofilho.adv.br.