Roberto Cavalcanti*
A Lei da Improbidade, popularmente conhecida como lei do colarinho branco, está atingindo a maioridade. Mas conquistou a maturidade? Criada em 92, completa 18 anos em 2010. E o saldo destas quase duas décadas é a indisfarçável eternização dos ritos processuais, que acabam por “encardir” uma legislação feita para defender a população em seu direito mais elementar: a garantia de punição contra praticantes de atos hediondos que afetam a toda coletividade – titular dominial dos bens e valores que estão sob a guarda e a proteção dos agentes públicos investidos nos cargos e funções da administração pública.
A legislação precisa mudar. Precisa estar mais sólida, mais clara e mais contemporânea ao atingir sua maioridade. E esta é a síntese das proposições contidas no projeto de lei que apresentei semana passada no Senado Federal.
O objetivo é, em primeiro plano, reverter esse quadro marcado pela morosidade do Poder Judiciário, que não pode continuar sendo uma aliada da impunidade dos atos contra a administração pública.
Por isso, as demandas contra ato de improbidade devem ser tratadas, processadas e julgadas por unidades judiciais especializadas, bem estruturadas e com exclusividade no trato das questões revestidas dessas temáticas.
O Judiciário precisa dispor das ferramentas legais que farão retroceder a tendência à impunidade, resultante do atual modelo, caracterizado por uma exagerada complexidade processual.
Um dos pontos inferidos é a possibilidade de ex-autoridades que perdem a prerrogativa de foro privilegiado responderem por ato de improbidade administrativa.
Essa inserção afasta qualquer chance de impunidade devido ao fato de que a Lei dos Crimes de Responsabilidade só admite o recebimento da representação (art. 15) enquanto aquelas autoridades estiverem no cargo que lhe garantem o privilégio de foro.
Ora, se o agente político se desligou do cargo daquela que lhe conferia prerrogativa, não há impedimento para que o mesmo esteja sujeito à aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa. Não faz sentido algum ser-lhe conferida qualquer imunidade sem previsão constitucional.
O projeto, que já começa a tramitar no Senado, também tipifica as ações de improbidade.
É ato de improbidade o desatendimento do princípio da economicidade no trato da coisa pública, concorrendo para que o erário seja onerado.
É improbidade o descumprimento de decisão judicial. Assim como a violação ao princípio da eficiência deva ser considerada conduta de improbidade, visto que é uma exigência constitucional o desempenho funcional de bom rendimento e resultados positivos para a administração pública.
Mais: por este projeto – e faço grifo neste ponto – decretamos o fim da inexequibilidade dos títulos emitidos pelos Tribunais de Contas imputando débitos, quer da União, quer dos Estados ou Municípios, aos agentes públicos ou políticos, ante a inexistência de bens em nomes daqueles flagrados em atos de desvios de verbas públicas ou malversação do dinheiro público.
Para corrigir essa falha, a proposição postula a declaração de insolvência civil, impondo uma pena dura na vida civil, com reflexos diretos nas pretensões de uma atividade pública do agente inadimplente.
Noutro avanço, a iniciativa aqui proposta prestigia o exercício da cidadania e a sociedade organizada, ao assegurar-lhe o direito de representação perante a autoridade competente, objetivando a instauração de investigação de fato ou acontecimento que tenha conhecimento que seja desabonador à administração pública.
Do ponto de vista processual, o maior ganho que a sociedade terá com esse projeto é municiar o Poder Judiciário de uma norma com regras especiais para tratar uma matéria que afeta os valores e a dignidade nacionais, além de afastar as chances de impunidade aos que lesam os cofres públicos.
Desse modo, a norma referida ganha rito especial, com as partes levando por conta própria as suas testemunhas para a audiência de instrução, que será única, procedimento já vem sendo adotado pela Lei Complementar nº 64, de 1990, que trata das inelegibilidades no campo eleitoral.
O projeto preserva, também, o direito das autoridades com prerrogativas de foro de indicarem dia, hora e local para serem ouvidas, quando arroladas na qualidade de testemunhas, mas, incorporando a manifestação do Supremo Tribunal, afasta no processo esse privilégio na hipótese daquelas não serem ouvidas no prazo de 30 (trinta) dias, período de que dispõem para comunicar ao juiz ou ao tribunal a data escolhida.
Inova ao estabelecer que o processo terá tempo delimitado para sua conclusão.
E mais, visa a unificar o entendimento jurisprudencial sobre o prazo prescricional, estabelecendo-se a data da distribuição do processo como marco regulatório de início da interrupção da prescrição.
A inserção, na Lei de Ação Civil Pública, de regra legitimando o representante do Ministério Público, de forma expressa, para propor ação de improbidade administrativa, elimina qualquer dúvida que já gerou inúmeros recursos de natureza protelatória.
A concepção de instituições de varas especializadas em matéria que envolva a defesa do patrimônio público, a reprimenda às condutas de improbidade, a Lei de Responsabilidade Fiscal e mais as matérias mencionadas na Lei nº 7.347, de 1985 (meio ambiente, consumidor, interesse difuso ou coletivo, bens e valores artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a ordem urbana), almejam especializar o julgador que terá melhores condições e conhecimentos específicos na compreensão das demandas, e terá um menor número de processos sob a sua responsabilidade, dando agilidade e celeridade aos processos sob a sua jurisdição.
Todas essas proposições foram inspiradas no entendimento de que os atos contra a coletividade são hediondos por sonegar ou subtrair assistência efetiva à infância, à saúde, à educação e à segurança pública, deveres do Estado, direitos fundamentais do cidadão.
E acredito que é por esta via que o Estado vai perquirir e reaver aquilo que lhe foi vilipendiado.
*É senador pelo PRB da Paraíba e empresário.