Fábio Góis
Imagine uma sessão na Comissão de Constituição de Justiça da Câmara presidida pelo ex-craque Romário (filiado ao PSB). Em plena apreciação de uma proposta de interesse nacional relatada pelo também ex-jogador Edmundo (o “Animal”, membro do PP). Os dois discutem a inclusão de uma emenda proposta pelo Trapalhão Dedé Santana (PSC), radicalmente contestada pelo cantor e apresentador Netinho (PCdoB). Diante do impasse, o humorista Sérgio Malandro (PTB) pede vistas (um tempo extra para analisar a matéria). Ainda que a imagem acima pareça remeter a um antigo episódio da Escolinha do Professor Raimundo, a situação não é totalmente improvável no ano que vem. Todas essas celebridades não apenas se filiaram a partidos políticos como pretendem disputar em outubro uma vaga na Câmara dos Deputados.
Desde que o cantor Agnaldo Timóteo levou um aparelho de telefone para falar com sua mãe em seu primeiro discurso como deputado federal em 1982, o número de artistas e celebridades que se aventuram no mundo da política só tem aumentado. Se antes do golpe militar de 1964, o máximo de fama fora da política que se poderia esperar eram escritores como Jorge Amado, num Congresso formado, em sua maioria, por profissionais liberais, como médicos e advogados, os novos tempos da era da mídia na redemocratização mudaram os ares da Câmara e do Senado. Se no começo desse período havia artistas com militância política reconhecida, como a atriz Bete Mendes, que integrou a primeira bancada do PT e acabou expulsa do partido por votar em Tancredo Neves na eleição indireta de 1985 no Colégio Eleitoral, agora a opção política das celebridades parece ter se tornado mais banal.
E elas vêm com força em 2010. E, em vez dos palcos, a nova leva é oriunda na maioria dos gramados de futebol. E não apenas na Câmara dos Deputados. Ao lado do cartola Márcio Braga (presidente do Flamengo, filiado ao PMDB), que já foi deputado, há o ex-técnico da Seleção Brasileira Vanderlei Luxemburgo (petista). Os dois estão de olho em uma cadeira do Senado. O jogador de futebol Túlio Maravilha (do PMDB) almeja uma vaga de deputado federal. Ainda no ramo futebolístico, há o jogador Vampeta que, filiado ao PTB, ainda não definiu qual cargo eletivo irá disputar.
Quer um cantor sertanejo? Que tal Sérgio Reis (candidato pelo PR)? Casa dos Artistas ou Big Brother Brasil? Quem prefere o reality show do SBT, pode optar pelo ator André Gonçalves (filiado ao PMN), que participou de uma das edições da Casa dos Artistas. Já quem votou para que Kleber “Bambam” ganhasse a primeira edição do BBB, pode agora arranjar para ele uma vaga no Parlamento, pelo PTB. André Gonçalves e “Bambam” sonham ser deputados. Não definiram ainda se estadual ou federal. Se aquelas “milhões” de pessoas que apresentador Pedro Bial jura toda semana que votam no paredão do BBB estiverem a postos, “Bambam” já está eleito.
O ex-boxeador Maguila, também filiado ao PTB, vive o mesmo dilema de André Gonçalves e “Bambam”: ainda não definiu que cargo disputará. “Eles [Maguila e Vampeta] são pré-candidatos com muita chance de serem candidatos. Estamos preparando as chapas”, disse ao Congresso em Foco o secretário de Comunicação do PTB, Ênio Rocha, informando que o partido decidirá seu escrete de celebridades em 27 de junho, na convenção estadual da legenda.
O PTB é o partido que mais apostou na busca de celebridades para puxar votos nas eleições de outubro. Segundo Ênio, embora nada esteja definido, há a possibilidade de que sejam lançados pela legenda nomes como Sérgio Malandro, suplente de vereador em São Paulo; Paulo Zorello, campeão mundial e presidente da Confederação Brasileira de Kickboxing (“um nome sempre lembrado pelo partido”); e Eduardo Braga, filho do “rei” Roberto Carlos. Ainda não há definição sobre quais cargos eles disputarão.
O “baixinho”
O diretório do PSB no Rio de Janeiro está confiante na eleição do “baixinho” Romário, campeão mundial de futebol em 1994, para deputado federal. Segundo o membro da executiva estadual Leo Malina, “em geral, a temperatura está boa” acerca das possibilidades do craque.
“No Rio de Janeiro vamos fazer quatro deputados federais”, prevê o presidente do PSB fluminense, Alexandre Cardoso, secretário de Ciência e Tecnologia do estado. Ele disse à reportagem que Romário será eleito com uma “votação significativa”. “Ele vai cuidar muito da questão do esporte, vai ter um papel importante em épocas de Copa do Mundo no Brasil”, acrescentou Alexandre, destacando a experiência internacional de Romário em países como Espanha e Holanda, em times como o Barcelona e o PSV Eindhoven.
Alexandre rejeita a tese de que uma figura sem tradição política não pode exercer a atividade. “O que é um político? O Delfim Neto é economista”, exemplificou, em menção ao ex-ministro da Fazenda. “O Romário será representante do esporte. Lógico que ele não vai dar uma contribuição teórica, mas vai ser muito útil na discussão dos passes [direitos sobre o atleta], de questões práticas da legislação. Ele não vai falar sobre energia nuclear, da mesma forma que um doutor em energia nuclear não vai falar de futebol.”
Para o secretário de estado, a Câmara deve ter pluralidade. “Não pode essa elite achar que a Câmara deve ser só de doutor.”
O estilista e o “cãozinho dos teclados”
A força dos “candidatos-celebridade” é incontestável. E é na possibilidade de que essa fama se transforme em votos que apostam os partidos. Nas últimas eleições, houve importantes exemplos práticos. O estilista Clodovil (PR-SP), morto em março de 2009, recebeu nada menos que 493.951 votos para deputado federal em São Paulo. Foi a quarta maior votação do país. E o cantor Frank Aguiar, do PTB, atual vice-prefeito de São Bernardo do Campo, amealhou nada desprezíveis 144.797 votos.
Polêmico e conhecido pelo ímpeto verbal, Clodovil fez sucesso principalmente nos anos 80 com seus desenhos arrojados para a moda da época, o que lhe valeu papel de destaque em programas femininos de televisão. Já o forrozeiro piauiense Frank Aguiar, que costumava dar gritos agudos em certos trechos de suas músicas (o que lhe rendeu o apelido de “cãozinho dos teclados”), é um dos principais expoentes do chamado forró moderno.
Há quem diga que a profusão de celebridades na política seja uma tática partidária para reforçar sua representatividade – leia-se aumentar o número de filiados eleitos – por meio de candidatos com empatia popular. Outros defendem a tese de que, em decadência na carreira, certas figuras públicas se valem dos anos de exposição na mídia para garantir um mandato – bem remunerado, diga-se, com todas as prerrogativas e garantias reservadas aos eleitos. O fato é que a eleição destas figuras peculiares gera todo tipo de reação, da aceitação ao repúdio.
Figuração
Para o cientista político Leonardo Barreto, as celebridades que se lançam na política “ficam perdidas” em meio ao processo legislativo. “São pessoas sem experiência e que contam apenas com a popularidade. Certamente vão encontrar duríssimas dificuldades [nos respectivos postos]”, disse Leonardo. “Acabam por ser parlamentares bastante duvidosos. Nenhum deles [candidatos-celebridade] se destacou no exercício de seus mandatos.”
“Essas pessoas vão acabar servindo apenas para compor votação. Como eles não têm atividade reconhecida, vão acabar seguindo liderança e fazendo figuração.”
Pesquisador do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Leonardo aponta qual seria o principal prejudicado com a eleição de “famosidades”. “São os próprios eleitores. Eles vão ficar sem voz no Congresso, seus estados não estarão devidamente representados”, observa o especialista, acrescentando que apenas um “processo de depuração” do eleitorado pode impedir a ascensão das pseudo-celebridades à política, uma vez que “eles têm direitos políticos como qualquer outra pessoa”.
“É bom enfatizar que isso não acontece só no Brasil”, acrescenta o pesquisador, citando o exemplo do governador da Califórnia (EUA), o astro de Hollywood Arnold Schwarzenegger – o “governator”, irônica alusão à trilogia por ele protagonizada O Exterminador do Futuro (ou, em inglês, Terminator). “De certa maneira, isso faz parte do jogo.”
O secretário de Comunicação do PTB discorda do cientista político. Para Ênio, “não há problema algum” no fato de cantores, atores, jogadores de futebol ou demais figuras conhecidas disputar cargos eletivos. “Todos viam o Frank Aguiar com reserva. Ele teve atuação brilhante no Congresso”, exemplificou, lembrando que o artista relatou “com êxito”, na Câmara Federal, o projeto que cria o Plano Nacional de Cultura.
“É um caráter subjetivo. Você não pode avaliar um artista como político a partir do momento em que você não o conhece”, acrescentou Ênio, dando outros exemplos, desta vez estrangeiros, de políticos-celebridade competentes. “Ronald Reagan era visto como canastrão na arte de representar, mas foi um grande presidente dos Estados Unidos. Arnold Schwarzenegger é um governador competente. Não há óbice nenhum. Se o candidato vai defender o ideário partidário e tem qualificação, não importa se é cantor, jogador de futebol ou artista.”
“Pânico” no Congresso
Celebridade revelada na primeira edição do Big Brother Brasil, a apresentadora do programa Pânico na TV (Rede TV!), Sabrina Sato costuma circular no Congresso em busca de entrevistas irreverentes, e não se imagina como congressista.
Ela disse ao Congresso em Foco que há outras maneiras de usar a popularidade em benefício do povo. “Eu acho que a gente que trabalha na TV, que tem o poder de falar com o público, pode ajudar de outra forma que não a política”, disse a também modelo de traços orientais que, com desenvoltura pelos salões Azul (Senado) e Verde (Câmara), costuma reunir pequenas multidões por onde passa.
“Eles podem aproveitar a fama para ajudar instituições, por exemplo. Eu jamais faria”, garantiu Sabrina, que, às gargalhadas, imaginou a seguinte situação. “Se a Hebe se candidatar e enfrentar a Dilma [Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata do PT], é concorrência desleal”, completou. Sabrina tem certeza de que a apresentadora do SBT venceria “de lavada”.
“Você não tem noção da lista de celebridades que vão se candidatar…”, provocou Sabrina, minimizando a situação. “O Clodovil ‘causou’ enquanto esteve na Câmara. O bom é a diversidade que cria no Congresso.”
Cariocas
A assessoria de imprensa do PT no Rio de Janeiro diz que o partido não tem a orientação de procurar pessoas populares para “inflar” seus quadros, embora a legenda esteja “aberta para qualquer pessoa que queira se filiar”. A assessoria diz que a maioria é de militantes há muitos anos filiados.
Integrante da executiva estadual, Fabiana Santos disse à reportagem que o PT, embora reúna muitas filiações de gente do meio artístico, não tem um histórico de candidatos famosos. “Alguns se filiaram, mas não são candidatos. Eles não são protagonistas da política. Em algum momento de suas vidas, eles perceberam que seria importante se filiarem ao partido”, disse a petista, dando um exemplo próximo.
“A gente não tem um Tico Santa Cruz [agitador cultural carioca, vocalista da banda Detonautas], que é candidato do Psol a deputado estadual”, acrescentou Fabiana, lembrando a identificação de artistas com a ex-governadora petista do Rio de Janeiro Benedita da Silva, que é casada com o ator Antônio Pitanga e mãe da atriz Camila Pitanga. “O (ator) Sérgio Mamberti é filiado, e inclusive é o presidente da Funarte [fundação do Ministério da Cultura], mas não vai se candidatar.”