Muito já se comentou que o Judiciário é o poder menos transparente da República. E não é para menos. Como é o único dos três em que seus membros não se submetem à “peneira” de uma eleição popular, acabam atraindo menos os holofotes da grande imprensa. Apenas como parêntese, vale lembrar a informação do jornalista Fernão Lara Mesquita de que em outros países, como os Estados Unidos, já se discute até a adoção do recall para juízes, à semelhança do que já acontece por lá com os representantes do Legislativo, do Executivo e do Ministério Público. “Todos os juízes, eleitos ou não, são vulneráveis ao poder econômico assim como o resto dos mortais, e eles [os cidadãos comuns] se sentem mais seguros sabendo que os seus juízes vulneráveis ao poder econômico, assim como as sentenças injustas que possam emitir, são demissíveis por recall”, constata Fernão.
Por aqui, o “descasamento” com a realidade da sociedade tem sido gritante nos últimos tempos e, embora se tenha exigido cada vez mais transparência do poder público, não são poucos os membros do Judiciário que não se apercebem da relevância deste momento histórico.
A mais recente prova disso foi a recente decisão da ministra Nancy Andrighi, atual corregedora Nacional de Justiça, de suspender a atualização de dados do sistema Justiça Aberta, criado em 2007 pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ.
Na prática, magistrados de todas as instâncias deixam de ficar obrigados a repassar informações vitais para a transparência do Judiciário, como o nome do juiz, o total de decisões proferidas no mês, o número de suspeições e impedimentos declarados, o total de audiências remarcadas, o número de autos conclusos há mais de 100 dias, e muito mais.
Para Neide De Sordi, ex‐diretora‐executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, a decisão representa um retrocesso no controle social sobre o Judiciário. Em recente artigo, ela afirma: “Diferentemente das estatísticas produzidas a partir do sistema Justiça em Números, que foi formulado para propiciar uma radiografia do judiciário brasileiro, o Justiça Aberta foi delineado para o controle. Por essa razão, o sistema é gerido pela Corregedoria Nacional de Justiça e não pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ. Da mesma forma que os demais agentes políticos e públicos, na execução das suas atribuições, os magistrados geram informações que devem ser disponibilizadas aos cidadãos para o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle social e accountability, este entendido como ética, responsabilidade social, imputabilidade, prestação de contas de seus administradores e integrantes às instâncias controladoras e aos cidadãos”.
O fato é que o próprio CNJ, criado pela Emenda Constitucional 45, de 2004 (a chamada Reforma do Judiciário), sempre enfrentou muita resistência interna da magistratura. E, com o sistema Justiça Aberta, juízes e responsáveis por cartórios em todo o país passaram a sofrer mais escrutínio da sociedade civil e da mídia. Como Neide aponta, “É ele [o sistema Justiça Aberta] que nos informa que há 13.567 cartórios extrajudiciais no Brasil. Em poucos cliques, é possível acessar o ranking dos cartórios brasileiros por remuneração e saber que o cartório mais rentável do Brasil é o 9º Ofício de Registro de Imóveis do município do Rio de Janeiro que informa ter arrecadado R$ 48.084.504,25 no último semestre disponível para consulta”.
Diversas organizações da sociedade civil como o MCCE/Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o IFC/Instituto de Fiscalização e Controle, o Contas Abertas e até o UNODC/Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes assinaram um manifesto conjunto, devidamente entregue à corregedora Andrighi. No documento, argumentam que “nos últimos anos, o ‘Justiça Aberta’ foi um dos grandes alentos à sociedade na busca pelo acompanhamento da atuação dos órgãos judiciais e pelo controle social”.
PublicidadeJá passou da hora de se “abrir” o Judiciário para a sociedade. Se exigimos prestação de contas de cargos no Executivo e no Legislativo, não será o Judiciário que deverá permanecer fechado. Não compreender isso é perder o bonde da História que já está ameaçando sair da estação.