Durante o período em que exerci o mandato de deputado federal, de fevereiro de 1999 a janeiro de 2015, ouvi muitos discursos contra a edição de medidas provisórias (MPs). Ao longo desses 16 anos, fui oposição ao governo do PSDB e da bancada de apoio ao governo do PT (Lula e Dilma), o que significa dizer que ouvi este tipo de discurso sair da boca de parlamentares de todos os partidos.
Depois de um período que não sei medir, comecei a entender que o discurso não era verdadeiro, pelo menos para parte dos deputados. Para estes, o discurso era de conveniência, pois usavam as MPs para aprovar aquilo que não seria aprovado no dia a dia do Congresso Nacional.
Também ouvi muitos discursos contra os “jabutis” que eram colocados nas MPs. Para quem não é versado no tema parlamentar, “jabuti” é o nome que os deputados e senadores dão a uma emenda colocada em uma MP que não tem absolutamente nada com o mérito do texto original dela.
Exemplo: uma MP versa sobre regras da previdência social. Vai lá um deputado ou um senador e coloca uma emenda dizendo que estão anistiadas as multas por crime ambiental de um determinado período. Este é um “jabuti”. Este é só um exemplo didático. Mas, enquanto estive na Câmara, centenas de jabutis foram colocados em MPs, como este do deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), que agora se tornou público.
A informação que a imprensa divulgou é de que Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em 2014, através de seu aliado Manoel Júnior, inseriu uma “emenda-jabuti” na Medida Provisória 656, permitindo a participação de grupos estrangeiros no setor de assistência à saúde.
Quem coloca os jabutis sabe por que colocou, sabe quem pediu e sabe quem vai ganhar ($$$). Geralmente estes jabutis são de encomenda, e quem a faz são financiadores de campanhas. Inúmeras vezes tivemos que votar favorável a MPs incrustadas de jabutis. Não por estar a favor, mas por chantagem.
Durante o período em que lá estive (FHC, Lula e Dilma), nenhum partido de governo tinha força suficiente para aprovar as MPs no Congresso. Sem força, tem que buscar o apoio de outros parlamentares e outros partidos para aprovar. Aí surge o jabuti, filho da chantagem: “se aceitar esta emenda jabuti na MP, votaremos favorável”. Certo que ninguém é tão explícito assim, mas é dessa forma que funciona. Colocada a emenda, o autor passa a atuar para aprová-la, e quando assim o faz é porque já tem sob o seu controle vários votos.
É assim que se aprovam muitas das MPs e muitos dos projetos de lei, inclusive a Lei Orçamentária.
Não sou bom de memória, mas quando cheguei à Câmara dos Deputados, em 1999, os deputados e senadores tinham o direito de apresentar emendas individuais, creio que até o valor de R$ 1,5 milhão. Quando saí da Câmara, em janeiro de 2015, podiam apresentar emendas num valor já superior a R$ 12 milhões. E caso nesse período o governo não aceitasse essa chantagem, a Lei Orçamentária não era aprovada.
Não bastasse tudo isso, os deputados e senadores aprovaram em 2014 a chamada PEC do orçamento impositivo. Essa emenda à Constituição impõe ao governo a obrigatoriedade de pagar todas as emendas apresentadas pelos deputados e senadores. Uma vergonha.
Antes de deixar a Câmara, eu já afirmava que a maioria dos deputados e senadores não era contra as MPs e tampouco vítimas. Melhor, eles eram “usufrutuários”.
Se é verdade que a MP sequestra o papel do Congresso Nacional, também é verdade que há um grupo apaixonado pelo sequestrador, ou seja, pela MP. Esse grupo sofre da Síndrome de Estocolmo. Para quem não lembra, a “Síndrome de Estocolmo” foi cunhada pelo criminalista Nils Berejot, ao se referir às vítimas do sequestro de um assalto a um banco na capital sueca, em 23 agosto de 1973. Neste assalto, seis funcionários do banco ficaram como reféns por seis dias. Neste curto período, desenvolveram-se laços de afeto entre os sequestrados e os sequestradores.
Parte dos deputados e senadores que fazem discurso contra as MPs que sequestraram o poder do Congresso se apaixonou por elas. E, efetiva e afetivamente, floreia-as de jabutis.
No caso do Eduardo Cunha, é nítido que ele usava as MPs para “plantar jabutis” e, como ficou explícito, usa do mandato para fazer chantagens. Como o governo e o PT não aceitaram a chantagem, ele resolveu abrir um processo de impeachment contra Dilma.