Lúcio Lambranho, Edson Sardinha e Rudolfo Lago
O maior censo do mundo. A mais completa radiografia das câmaras e assembléias legislativas do país. As referências elogiosas dirigidas pelos senadores ao I Censo do Legislativo, feito pelo Senado em 2005, encobriram uma velha prática na Casa: a contratação de parentes com dinheiro público.
Vinculado à Primeira Secretaria, o programa Interlegis contratou três irmãos do então diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, para fazer o censo no Rio Grande do Norte, estado de origem da família Maia, também representada no Congresso pelo deputado João Maia (PR-RN). O atual vice-prefeito de Jardim das Piranhas, Galbê Maia (PR) – na época, ex-prefeito da cidade – e as irmãs Zoraide Maia Alves e Zilne da Silva Maia foram encarregados de levantar a situação das câmaras de 94 dos 167 municípios potiguares.
Requisito para a manutenção de um contrato de US$ 25 milhões do Senado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o I Censo do Legislativo não teve processo seletivo e privilegiou a contratação de pessoas com ligações políticas nos estados. “O maior censo do mundo”, alardeou há quase cinco anos o então primeiro-secretário, Efraim Morais (DEM-PB). O levantamento caminha para a sua segunda edição sob a desconfiança de entidades ligadas às câmaras municipais.
Câmaras não veem resultado em censo
Agaciel, em entrevista ao Congresso em Foco, responsabilizou Efraim pela contratação de seus irmãos. “Pergunta para quem os nomeou. Eles são ligados ao DEM. Não tenho nada a ver com isso. Pergunte ao primeiro-secretário que era responsável pelo Interlegis na época”, afirmou, em referência ao partido do ex-primeiro-secretário.
Em tom de desabafo, o ex-diretor-geral do Senado disse não ter como responder pelos atos dos familiares. “Tenho 22 irmãos, 13 são vivos. Tenho mais de 2 mil parentes em Brasília. Não tenho que dar conta da vida de todos eles. Chega de colocar tudo nas minhas costas, não sou mais diretor-geral”, reclamou. Procurado em seu gabinete, Efraim Morais não retornou o contato feito pela reportagem. Segundo a assessoria do senador, ele estava incomunicável no Rio de Janeiro.
Apesar de ter exaltado os dados do Censo em artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 28 de julho de 2006, Agaciel nega que sabia da contratação dos irmãos. “Você acha que eu colocaria meus irmãos para ganhar ajuda de custo por três meses para fazer o censo se eu tinha em meu gabinete duas vagas com salário de R$ 10 mil e não foram preenchidas?”, questiona.
“O Interlegis é todo minado”
O censo foi alvo da troca de acusações entre Agaciel e o ex-diretor de Recursos Humanos do Senado João Carlos Zoghbi, no auge da crise no Senado em 2009. Zoghbi e sua mulher, Denise, também funcionária da Casa, disseram à revista Época que o Interlegis era “todo minado” e sugeriram a existência de irregularidades no censo por não ter havido licitação para a contratação dos recenseadores. O casal foi além e informou, inclusive, qual teria sido o valor gasto com o levantamento.
“Outra ponta para puxar envolve o Interlegis. Ali, é dinheiro de recurso internacional, de empréstimo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que não passa pelo processo licitatório. Teve uma contratação de R$ 10 milhões de um censo que foi feito diretamente por eles nesse processo. E mais: o Interlegis é todo minado”, disse João Carlos à revista Época.
A metodologia do censo incluía entre os pré-requisitos na contratação dos recenseadores “ser pessoa conhecida no meio político local” e “ter experiência com o legislativo local”. Galbê foi prefeito duas vezes em Jardim das Piranhas, é filiado ao PR e já assessorou o gabinete do primo, o senador Agripino Maia (DEM-RN). A mulher dele, a ex-prefeita de Jardim de Piranhas Josidete Maria de Araújo Maia, foi exonerada do Senado em outubro de 2008, quando a Casa passou a cumprir a súmula antinepotismo. Além da cunhada, Agaciel também teve de exonerar a própria mulher, Sânzia Maia, depois que o Congresso em Foco revelou que ela estava subordinada a ele na Secretaria de Estágios.
A irmã Zilnê é casada com o ex-deputado estadual Pedro Melo (PSDB). Pedro é cunhado do ex-senador Geraldo Melo, também do PSDB. “Zoraide também tem ligações políticas, mas agora não sei qual é o partido dela. É bioquímica aposentada pelo estado”, completa Agaciel.
Relatório apresentado por uma comissão de sindicância em dezembro responsabilizou Agaciel e outros seis funcionários pela edição dos chamados atos secretos. Um deles, assinado pelo então diretor-geral, nomeou Rodrigo Luiz Lima Cruz, atualmente seu genro, para o gabinete do ex-senador Maguito Vilela (PMDB-GO) em 2006. Em 2007, Rodrigo foi transferido para o Interlegis, em ato assinado pelo ex-presidente Renan Calheiros. “Ele se tornou meu genro no ano passado. Não fui eu que o nomeei”, diz o ex-diretor.
A reportagem tentou contato com os três parentes do ex-diretor geral do Senado, mas não conseguiu localizar as irmãs Zilnê e Zoraide. Na prefeitura de Jardim das Piranhas, os funcionários informaram que Galbê mora em Natal, a 250 quilômetros do município, e que “raramente aparece” na prefeitura local. O número do telefone celular informado ao site pela prefeitura não era de Galbê Maia.
Servidor do Senado há 34 anos, Agaciel perdeu o cargo de diretor-geral em março do ano passado, depois de o jornal Folha de S.Paulo ter revelado que ele havia omitido da Receita Federal uma mansão avaliada em R$ 5 milhões, em Brasília. O imóvel estava em nome do irmão dele, o deputado João Maia. Na época, o Ministério Público chegou a solicitar o bloqueio dos bens do servidor, mas o pedido foi negado pela Justiça. Os procuradores recorreram da decisão.
Depois de cair do cargo que ocupou por 14 anos, o ex-diretor-geral passou a responder a processo administrativo, acusado de ser um dos mentores dos mais de 500 atos secretos baixados pela Casa. Está lotado atualmente no Instituto do Legislativo Brasileiro (ILB), órgão do Senado que ministra cursos para capacitar funcionários públicos e parlamentares de instituições legislativas de todo o país.
Explicação do Senado
Procurada pelo Congresso em Foco, a assessoria de comunicação do Senado não deu explicações mais detalhadas sobre a contratação de parentes de políticos e diretores da Casa para fazer o censo. De acordo com a assessoria, o valor total do levantamento teria sido de R$ 2,7 milhões. Cinco turmas responsáveis por cada macrorregião brasileira foram treinadas, segundo as informações oficiais.
O custo médio per capita teria sido de R$ 2,3 mil, num total, para o treinamento, de R$ 492,2 mil. Para a digitação dos formulários, informa a assessoria do Senado, houve um gasto de R$ 44,9 mil, custeado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Finalmente, a coleta propriamente dita dos dados – em que são incluídos pagamento de hospedagem, alimentação e deslocamento de 231 recenseadores – teria custado R$ 2,1 milhões.
O Senado garante que o censo passou por 5.562 municípios, 26 Assembleias Legislativas e pela Câmara Legislativa do Distrito Federal. Sobre a contratação de parentes, limita-se a dizer a assessoria: “A equipe de campo foi montada a partir de convocação feita aos