O efeito mais assustador da II Marcha contra a Corrupção é descobrir que existe uma parte da atual esquerda vinculada ao governo que ficou reacionária. Algumas reações vistas durante o dia de ontem (12), enquanto 13 mil pessoas iam às ruas em Brasília – sem contar os milhares que saíram no Rio, em São Paulo, Curitiba, etc – protestar contra a corrupção pareciam lembrar o que diziam os apoiadores dos velhos generais de antigamente, diante das milhares de pessoas que iam às ruas pela anistia, pela Constituinte, pelas diretas. “Subversivos, bagunceiros, agitadores”, diziam os adoradores de generais de antigamente. “Direita inconformada, mauricinhos e patricinhas, 13 mil porsheiros”, disseram ontem alguns em mensagens pelo Twitter e outras redes sociais. O mesmo tipo de espanto do que acontece à sua revelia. O mesmo assombro diante do que lhe sai do controle. “Como vai abafar nosso coro a cantar na sua frente?”, perguntava Chico Buarque na antológica Apesar de Você que, infelizmente, parece ter ficado atual outra vez. “Narciso acha feio o que não é espelho”, dizia Caetano Veloso em Sampa.
É impossível que quem critica o atual movimento contra a corrupção não perceba – se tiver honestidade intelectual – que ele se fundamenta exatamente nos mesmos princípios que motivaram, por exemplo, o movimento dos caras pintadas que derrubou Fernando Collor. Por que aquele movimento era legítimo e considerado histórico e este agora virou uma manifestação de mauricinhos de direita? Nas duas vezes, quem estava à frente do movimento eram jovens estudantes de classe média. Um deles hoje, Lindbergh Farias, é senador pelo PT do Rio de Janeiro. A única diferença é que, antes, eram entidades organizadas que lideravam os movimentos, porque não existiam as ferramentas das redes sociais que hoje proporcionam outras formas de mobilização.
Ao que parece, é este o ponto. Alguns dos partidos de esquerda, algumas das organizações que foram hoje cooptadas pelo governo com verbas e outras benesses, perderam a paternidade que tinham de organizadores das massas em seus protestos nas ruas. E parecem morrer de ciúmes disso. “Se não sou eu que mobilizo, então não é legítimo”, parecem dizer.
Disseram que o sucesso do movimento de 7 de setembro devia-se ao fato de ter acontecido ao mesmo tempo que o desfile militar. As pessoas teriam ido ver o desfile e acabaram aderindo à passeata. Hoje, milhares de pessoas saíram em protesto novamente, e não havia nenhum outro evento mobilizador paralelo. Disseram que o movimento era vago, não tinha bandeiras. Ontem, as pessoas tinham três reivindicações: o fim do voto secreto em deliberações do Congresso, a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e a autonomia do Conselho Nacional de Justiça para investigar juízes. São bandeiras de direita?
Há uma imensa e inacreditável confusão nas críticas ao movimento contra a corrupção. As pessoas que hoje protestam nas ruas não são nem um pouco diferentes das que protestaram contra Collor em 1992. Não são nem um pouco diferentes daquelas que lotaram a avenida Paulista na festa após a eleição de Lula em 2002. E o que anseiam também não é nem um pouco diferente. Se parte do PT é hoje réu num processo de corrupção no Supremo Tribunal Federal, não foram as pessoas que vão às ruas e seus anseios exatamente os que mudaram. Se o governo Lula foi imensamente transformador do ponto de vista social, isso não quer dizer que as pessoas tenham que tolerar a corrupção pública. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Se o dinheiro que desce pelo ralo e vai parar nos bolsos dos corruptos fosse também investido nos programas sociais, o resultado seria ainda mais efetivo. Vale lembrar, como tem mostrado este Congresso em Foco na série “Folia com o Dinheiro Público”, que apenas no Ministério do Turismo o rombo foi de R$ 80 milhões. Quantas casas populares dá isso? Para que os mais pobres entrem para a classe média é preciso mesmo que alguns políticos enriqueçam?
Quem acompanhou as duas manifestações, no 7 de setembro e ontem, vê claramente que não se trata de um movimento contra o governo. Pode haver alguém aqui e ali que proteste contra a presidenta Dilma, mas não é o nome dela que a maioria das pessoas grita. Até porque foi a própria Dilma quem trouxe o tema da corrupção para a pauta do país, na reação – que as pessoas que vão às ruas acham correta – que teve contra as denúncias de corrupção em seu governo. Se Dilma continuar fazendo o que fez nos casos dos Ministérios do Transporte e do Turismo, as pessoas que estão nas ruas irão aplaudi-la. Se os partidos que compõem a sua base acham ruim, problema deles. Não menosprezem a força das pessoas na rua. Quem duvida dela, vai quebrar a cara. Como dizia a palavra de ordem na passeata: “Ih, fudeu! O povo apareceu”!