Numa antiga anedota que circulava na antiga RDA República Democrática Alemã um operário alemão consegue um emprego na Sibéria. Sabendo que toda a correspondência é lida pelos censores, ele combina com os amigos um código: se a carta estiver em tinta azul, o que diz é verdade, se escrita em vermelho, é tudo mentira. Um mês depois, seus amigos recebem a primeira carta escrita em azul: Aqui tudo é maravilhoso, as lojas vivem cheias, a comida é excelente e variada, os apartamentos são enormes e bem aquecidos, os cinemas só exibem filmes de Hollywood, há muitas garotas e todas querem dar pra mim o único grilo é que não se acha tinta vermelha!
Outra piadinha da velha República Democrática Alemã (ou piada Com Muro): Era impossível uma pessoa combinar três características: convicção (fé na ideologia oficial), inteligência e honestidade. Pois: a) quem acreditava e era inteligente, não era honesto; b) quem era inteligente e honesto, não acreditava; c) quem acreditava e era honesto, não podia ser inteligente.
O mesmo se aplica hoje à ideologia neoliberal: quem finge levar a sério a ideologia liberal hegemônica, não pode ser ao mesmo tempo inteligente e honesto. Ou é estúpido ou um cínico corrompido. Portanto, numa alusão de mau gosto ao Homo Sacer de Agamben, pode-se afirmar que o modo liberal dominante de subjetividade atual é o Homo Otarius: ao tentar manipular e explorar os outros, acaba sendo ele próprio o verdadeiro explorado. Quando se imagina estar zombando da ideologia dominante, se está apenas aumentando seu controle sobre nós.
Uma famosa anedota judia conta que Bill Clinton, ao visitar o primeiro ministro de Israel, viu um misterioso telefone azul em seu escritório. Ao perguntar o que era, o ministro respondeu se tratar duma linha direta com Deus lá no céu. Ao voltar para os EUA, o invejoso Clinton exigiu que a CIA comprasse um igual. Os aparelho foi instalado, mas, quando chegou a conta, o total era exorbitante:dois milhões de dólares por um papo de cinco minutos com Ele! Clinton, furioso, se queixou ao ministro israelense: Como você consegue pagar uma conta dessas, é assim que você gasta o NOSSO dinheiro? O outro respondeu: Não é nada disso, é que para nós, judeus, a chamada custa apenas a tarifa local.
Interessante que, numa versão soviética da mesma piada, Deus é substituído pelo Diabo: Nixon visita Brezhnev, vê o telefone especial e este lhe explica que é uma ligação com o Inferno, mas quando Nixon se queixa do preço, Brezhnev também alega: Para nós, a chamada é local!
Segundo Zizek, a democracia hoje é o principal fetiche político. Há uma década, durante as eleições para governador no Estado da Luisiana, quando a única alternativa ao ex-KKK David Duke era uma democrata corrupto, muitos automóveis exibiam o adesivo: Vote no ladrão, é mais seguro!. Nas eleições presidenciais de 2002 na França, quando o líder fascista da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, chegou ao segundo turno contra o candidato à reeleição Jacques Chirac, suspeito de improbidade administrativa, as faixas exibiam a frase: Antes o roubo do que o ódio!. Na Itália, o resultado final da campanha mãos limpas, que destruiu o establishment político baseado na Democracia Cristã, foi a desastrosa chegada de Berlusconi ao poder.
Este é o grande paradoxo da democracia: dentro da ordem política existente, toda campanha contra a corrupção termina cooptada pela extrema direita populista. A idéia de uma democracia honesta é uma ilusão, assim como a noção da ordem do Direito sem o suplemento de seu Superego Obsceno. Então a escolha seria: aceitamos essa corrupção com um espírito de sabedoria realista, ou formulamos uma alternativa de esquerda à democracia para quebrar esse círculo vicioso de corrupção democrática e a campanha direitista para se livrar dela? Afinal, o farisaísmo não é o dom universal da Direita?
A propósito: como a questão do Ficha Limpa é uma das bandeiras do nosso site, aqui ficam algumas considerações que acredito fundamentais para a abordagem e discussão do tema.
(1) Extraídas de Bem-vindo ao deserto do Real, de Slavoj Zizek.
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