É chato, mas tenho que voltar ao tema. Logo que terminei aquele meu discurso condenando a diatribe do Bolsonaro contra os gays e a Dilma, um colega do PT pediu a exclusão de suas alusões à presidenta dos autos, e assim foi feito. Na sequência, porém, a liderança do PT resolveu pedir a sua cassação. É uma contradição, pois, sem os autos, não há provas da quebra de decoro. Penso que houve essa quebra, mas sou totalmente contrário a cassar o mandato do Bolsonaro ou coibi-lo de dizer suas barbaridades. Em democracia e, sobretudo na tribuna do Congresso, o único limite à liberdade de expressão deve ser a incitação da violência. Fora isso, ela deve ser exercida, e aí contraposta pela crítica enérgica ao que foi dito. Embora não costume me ocupar do Bolsonaro – tenho mais o que fazer – naquela quinta-feira (24), porque ele me antecedeu na tribuna, tive que comentar sua fala.
Na coluna anterior, já analisei a estratégia eleitoral dele e como a esquerda a alimenta, pavlovianamente. A intenção de cassar-lhe o mandato é uma perfeita ilustração dessa relação que acaba sendo simbiótica. Só vai mantê-lo na berlinda e levantar a bola para que possa continuar se comunicando via mídia com o segmento mais troglodita do eleitorado brasileiro.
Cabe, sim, uma discussão de fundo sobre como promover a tolerância e a prevenção da homofobia nas escolas. Penso que o caminho do governo é equivocado e contraproducente, pois segue uma lógica de militância. O ativismo gay como defesa de um segmento discriminado tem uma lógica de afirmação e de “orgulho” desse segmento que é perfeitamente compreensível e aceitável enquanto movimento sociocultural. Essa lógica, no entanto, se transporta dessa forma para a ação de governo. O governo é de todos, e tem que levar em conta as diferentes sensibilidades na sociedade brasileira, inclusive as conservadoras. Por outro lado, há que se educar nas escolas para superar o preconceito e a discriminação futuras contra quem quer que seja. O caminho didático não é o de uma afirmação da “causa gay”, mas o da tolerância e do respeito para com o outro, para com o diferente. Mas isso não é educação sexual é formação cívica. É aprendizado da democracia.
Para além dos homófobos estridentes como nosso capitão anti-gay, há um contingente muito significativo da população brasileira que, por razões religiosas em função da pregação de padres, pastores e outros líderes espirituais, incorporou a noção de respeitar a pessoa homossexual mas condenar o ato homossexual. A educação cívica eficaz é aquela que toma essa condenação nuanceada como ponto de partida e procura dialogar com esse contingente para afirmar claramente a noção de que qualquer forma de discriminação ao homossexual é inaceitável e que seus direitos de cidadania, inclusive a uma união civil com todos os direitos do casamento, devem ser reconhecidos em lei e defendidos. Esse diálogo, conquanto não seja fácil, é possível.
Já um tipo de afirmação militante da causa gay expressa em material didático escolar que possa correta ou incorretamente ser interpretado como promoção de um certo comportamento sexual é contraproducente, pois o que promove, de fato, é mais intolerância ao propiciar espaços de crescimento político aos homófobos sobre aquele público religioso ao qual me referi. Por isso, a discussão precisa sair do terreno da causa gay e de sua afirmação militante para a afirmação da sociedade democrática onde a diversidade sexual é aceita e respeitada. A postura de setores do governo nesse âmbito vem sendo muito inábil e acaba promovendo os Bolsonaros da vida e propiciando o crescimento da homofobia que, evidentemente, é o objetivo oposto ao pretendido.