A usina hidrelétrica de Três Marias foi inaugurada há meio século (1962). Gera 396 MW, e em sua construção foram criados cerca de 10.000 empregos, a maioria dos quais desapareceu com o fim das obras. Coube a cada uma dessas 10.000 pessoas se virar para encontrar novas oportunidades após o termino da construção.
Muitas outras hidrelétricas foram construídas no Brasil desde então. Cada uma delas contou com máquinas cada vez mais novas, equipamentos sempre mais modernos, e novidades tecnológicas como computadores, celulares e internet. Mas, no que diz respeito aos processos econômicos e sociais da sua construção, tudo ficou praticamente na mesma: continuamos a promover a ida de milhares de trabalhadores para o local da obra, uma parcela dos quais consegue emprego, na obra ou em torno dela, e praticamente todos ficam desempregados ao final. Precisa ser assim? Nada aprendemos neste meio século?
Os movimentos de revolta ocorridos em Girau e em Santo Antônio, recentemente, mostram que, se houve algum, foram poucos os avanços no que diz respeito ao tratamento dispensado pelas empresas aos seus colaboradores. À época de Três Marias, não se usava a expressão, atualmente politicamente correta, colaboradores; falava-se mesmo, para designar os trabalhadores, em paus de arara e em peãozada, hoje politicamente incorretas, mas ainda muito usadas entre os barrageiros.
Meio século após Três Marias, não há por que projetos de construção de hidrelétricas permanecerem assim. Eles podem ser bem mais, podem ser projetos de transformar a realidade da região, mediante poucos gastos adicionais, relativamente ao investimento na obra. Conforme o caso, poder-se-ia investir na democratização da sua estrutura fundiária, em crédito para atividades produtivas, em estradas, escolas, promoção de novas atividades econômicas, sociais, culturais e ambientais, no treinamento de recursos humanos, etc., etc.. Isso, de forma a possibilitar que, da população que para lá acorreu, apenas uma pequena parte, e não mais a maioria, tivesse que migrar para novas obras, na trilha dos barrageiros.
Esses grandes projetos poderiam ser usados para, mediante a oferta de condições favoráveis, criar novos espaços de desenvolvimento, de atração de população e de atividades econômicas, tornando ambas menos concentradas espacialmente. Para atrair novos empreendimentos à região, talvez bastasse oferecer energia ao seu custo de produção, sem incluir, nas tarifas, os pesados custos de transmissão.
Outra vantagem: hoje, os projetos são elaborados em busca, principalmente, do custo mínimo de construção. Daí que qualquer sugestão de alteração no projeto, de modo a reduzir suas externalidades negativas isto é, seus custos econômicos, sociais, ambientais, fiscais, públicos e outros, não incluídos nos custos diretos de construção , é vista como exigência descabida de loucos, sonhadores, oposicionistas, pessoas que não querem o desenvolvimento! Essa atitude tacanha tenderia a ser abandonada, em favor do reconhecimento de que, quase sempre, a elaboração de um projeto levando-se em consideração seus diversos aspectos importantes, e não só a variável custo de construção, tende a gerar melhores resultados. Para a sociedade, embora talvez não para este ou aquele empresário, este ou aquele politico!
É impossível calcular em quanto estaria menor o custo Brasil, melhor o trânsito, menores os preços dos imóveis e menor a violência, nas grandes cidades brasileiras, caso tal abordagem tivesse sido adotada e progressivamente melhorada em todas as hidrelétricas construídas desde Três Marias. Embora impossível de calcular, é fora de dúvida que estaríamos, todos os brasileiros, desfrutando dessas vantagens!
Infelizmente, não é só em termos de hidrelétricas que o passado continua a comandar as estratégias de investimento dominantes no Brasil. Outro exemplo gritante, alem das hidrelétricas, é o programa Minha Casa, Minha Vida. Apesar de ter o mérito de ser o primeiro grande programa habitacional em muitos anos, repete um erro crasso praticado pelo antigo BNH: dá crédito para construir e para vender casas e apartamentos, mas sem ter criado mecanismos para ampliar a oferta de terrenos! O crédito farto impulsiona o crescimento do preço dos terrenos e, portanto, reduz o número de habitações que podem ser construídas com o mesmo volume de recursos!
O erro é claro e óbvio, está identificado e registrado na literatura especializada há décadas, mas parece que nossos governantes não tomaram conhecimento. Ou, talvez, tenham optado pelo caminho mais fácil, em busca da popularidade …
Mais uma vez, fica clara a necessidade de mudanças institucionais importantes, caso queiramos que a população brasileira tenha o futuro que a maioria de nós acredita que ela merece, e que as condições objetivas do país, exceto pela sua estrutura política, permitem.