Zé Maria de Almeida*
Há pouco mais de seis meses, um terremoto devastou o Haiti, o país mais pobre das Américas. A tragédia deixou cerca de 250 mil mortos e provocou comoção mundial.
Na ocasião, líderes de todo mundo – inclusive Barack Obama e o presidente Lula – falavam sobre a necessidade de “reconstruir” o país. Passado seis meses, porém, o Haiti está longe de qualquer reconstrução, e seu povo é submetido a condições de vida degradantes. Soma-se a isso a humilhação de ter seu país ocupado militarmente, agora com fuzileiros norte-americanos.
Estive no Haiti em março deste ano. Constatei de perto que não há reconstrução alguma, ao contrário do que é dito para a população. A suposta ajuda enviada pelos governos se traduziu em mais soldados para reforçar a ocupação. Os soldados não estão lá para reconstruir nada, por um simples motivo: foram treinados para a guerra. Nem mesmo os escombros que infestam as ruas de Porto Príncipe foram retirados pelas supostas forças de paz. A capital haitiana tornou-se uma cidade de lona. Há seis meses, barracas abrigam mais do que 1,5 milhões de pessoas.
Calcula-se que a reconstrução do país deverá custar US$ 11,5 bilhões. No entanto, os governos constituíram um fundo internacional de US$ 5,3 bilhões, insuficiente para a reconstrução total. Mesmo assim, nenhuma parcela dessa quantia chegou aos haitianos, como chegou aos banqueiros e empresários, salvos da crise econômica pelos governantes. O dinheiro necessário para a reconstrução do Haiti é apenas uma ínfima parcela dos US$ 2,5 bilhões, usados na época pelos governos para salvar os capitalistas da crise.
Seis anos de vergonha
Há quase seis anos, o governo Lula mantém o Exército Brasileiro nessa vergonhosa ocupação. A ocupação não está lá pra defender a paz. Existe para assegurar a implementação de um plano econômico, que inclui a criação de zonas francas, com multinacionais produzindo ao mercado norte-americano através da Lei Hope (Haitian Opportunity for Economic Enhancement). Assim, as multinacionais se aproveitam do salário miserável pago aos trabalhadores do Haiti, que garante uma taxa de lucro como a da China. É essa a razão da presença do ex-presidente americano Bill Clinton como “enviado especial da ONU para o Haiti”. Também explica o olho gordo dos empresários brasileiros, especialmente os da indústria têxtil, liderados pelo vice-presidente José Alencar, interessados na exploração da mão de obra haitiana.
Por outro lado, o descontentamento da população com a ocupação cresce. No ano passado, os operários têxteis realizaram uma greve por aumento de salário. Em maio, estudantes da Faculdade de Etnologia protestaram contra a ocupação e enfrentaram a repressão da Minustah. Neste mesmo mês, três mil haitianos protestaram contra o governo Préval em Porto Príncipe. No dia 18 de maio, Dia da Bandeira, símbolo da soberania do Haiti, diversas mobilizações ocorreram, todas reprimidas. O aparente silêncio do povo haitiano na verdade oculta uma revolta latente.
O governo Lula afirma que a permanência das tropas brasileiras é fundamental para a “retomada da democracia no Haiti”. Dilma Rousseff e José Serra vão repetir o mesmo discurso na campanha. Mas como pode haver democracia em um país que sofre uma ocupação militar? Como pode existir democracia quando o direito de autodeterminação do povo haitiano é reprimido pela força das baionetas?
Defendemos a imediata retirada das tropas brasileiras do Haiti. Os haitianos precisam de ajuda médica, de técnicos, engenheiros, da solidariedade efetiva dos trabalhadores brasileiros, e não de soldados para sua reconstrução.
*Zé Maria é candidato à Presidência da República pelo PSTU