Há no ar uma séria ameaça de guerra no Oriente Médio ao longo deste ano. Diversos fatores convergem nesse sentido envolvendo o Irã, Israel e os EUA. Dias atrás, Roger Cohen, comentarista do New York Times, escreveu um artigo intitulado “Não o faça, Bibi”. Bibi é naturalmente o primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. A coisa a não fazer é o ataque aéreo às instalações nucleares do Irã. No Foreign Affairs de dezembro, há uma artigo de um conselheiro especial do Pentágono, Matthew Kroenig, analisando detalhadamente as circunstâncias e aconselhando como a solução “menos pior” um ataque norte-americano à infraestrutura nuclear iraniana, antes que Israel o faça.
Existe um sinergia sinistra entre as conjunturas políticas internas dos três atores principais dessa trama que se realimentam mutuamente na direção de uma guerra. O Irã se sente ameaçado pela dinâmica da primavera árabe, da qual seus distúrbios pós-eleitorais de 2009 foram uma antecipação abortada. O regime sabe que é repudiado por uma numerosa classe média que pode retomar sua mobilização a qualquer momento. As divisões internas no campo conservador clerical nunca foram tão intensas. Recentemente, o caldo quase entornou entre o líder supremo, o aiatolá Khamenei, e o presidente Ahmadinejad. A guerra civil na Síria, o seu grande aliado no mundo árabe, deixa o regime islâmico xiita à beira de um ataque de nervos. Nesse contexto, a “fuga para frente” parece ser o caminho. O poder parece considerar que um conflito externo estabilizaria o front interno levantando uma onda de patriotismo, embora, a médio prazo, isso possa também levar ao seu colapso. Por outro lado, o almejado status de país dotado de armamento nuclear é uma tentação aparentemente irresistível conquanto não esteja ainda claro se e quando o Irã atravessará o rubicão entre uma capacidade potencial instalada e a posse de armamento nuclear em condições operacionais.
O governo israelense está dividido e importantes expoentes de seu establishment militar e de inteligência, inclusive ex-chefes do exército e do Mossad se opõem veementemente a um ataque desse tipo. Preferem que os americanos o façam e, no limite, já admitem um estratégia de “equilíbrio do terror” nos moldes da guerra fria, com um Irã nuclear que deve saber que certamente seria varrido do mapa num confronto atômico com Israel. A dificuldade é que a teocracia xiita constitui um ator político menos racional que a burocracia soviética para um “equilíbrio pelo terror”. O recorrente discurso pela destruição de Israel de Ahmadinedjad, associado a seu vínculo com o segmento clerical de visão apocalíptica do aiatolá Yaszdi, não contribui para garantir racionalidade futura ao processo muito embora de uma maneira geral as ações do Irã venham se pautando mais por uma lógica nacionalista de hegemonia grã-persa, que persegue poder regional, do que a de uma seita aspirando ao martírio.
Há evidentemente uma alternativa a isso, que seria um avanço no processo de paz entre Israel e os palestinos e a disposição dos israelenses a negociar, ainda que num prazo dilatado, um Oriente Médio livre de armas nucleares em troca de uma paz garantida. A não nuclearização do Irã poderia ser negociada com Israel colocando sobre a mesa seu próprio armamento nuclear, existente desde os anos 60, que passaria a ser internacionalmente supervisionado com uma perspectiva futura de desmonte quando as condições de segurança o permitissem com o fim de quaisquer ameaças à sua existência – a começar pelas do próprio Irã. Isso seria possivelmente a única forma de evitar a médio e longo prazo não só a nuclearização iraniana como a inevitável corrida atômica que ela provocará envolvendo provavelmente Arábia Sudita, Turquia, Egito etc… Mas essa, de todas as hipóteses, é de longe a menos provável, pelo menos enquanto Israel for governado pela atual coligação de direita com extrema-direita.
Há grandes dúvidas a respeito da capacidade de um ataque de Israel inibir de forma duradoura as ambições nucleares iranianas e das consequências certamente graves desse ataque com um previsível retomada das hostilidades com o Hezbollah (talvez o Hamas também) e chuvas de foguetes caindo sobre Israel por um tempo indeterminado – forçando uma nova ocupação territorial com muitas baixas. Apesar das interrogações, uma parte significativa da liderança política de Israel parece determinada atacar. A imprensa israelense vem apresentando Bibi Netanyahu e Ehud Barak como partidários dessa ação. Politicamente, Netanyahu tem uma janela de oportunidade, que é a campanha eleitoral norte-americana. Ele sabe que esse ano, até novembro, Obama é seu refém. Também sabe que, eleito, Obama será seu algoz. Pode calcular que um ataque criará um fato consumado prejudicial por todos os aspectos ao presidente dos EUA. Tenderá a ser arrastado para dentro do conflito ao lado de Israel e de ver suas pontes queimadas com uma região em turbulência. Ninguém acreditará que o ataque não contou com seu beneplácito ainda que assim não tenha sido. Sua administração e candidatura serão atingidas pelo efeito econômico da alta dos preços do petróleo – uma das consequências bastante previsíveis de um ataque – e seus adversários terão amplo campo para estigmatizar sua “falta de liderança”. Tudo terá sido culpa de Obama por ter fracassado na sua política de contenção do Irã via pressões econômicas inócuas. Por ter sido soft on Iran (“mole com o Irã”), é o que já proclamam a altos brados os candidatos republicanos Romney, Gingrich e Santorum.
A vulnerabilidade a essa chantagem coloca diante de Obama uma alternativa arriscada que satã provavelmente sopra em seus ouvidos toda noite bem como um coro crescente de analistas estratégicos como Kroenig. Se o ataque de Israel é de fato inevitável e os EUA de qualquer maneira ver-se-ão responsabilizados por ele, por que não logo um ataque norte-americano? Militarmente, tem meios muito superiores e conta com mais chance operacional de sucesso. Sucesso este definido pelo resultado de adiar o acesso do Irã a armamento nuclear por um tempo maior. Politicamente, seria muito mais palatável ao mundo árabe sunita e, do ponto de vista eleitoral, desde que feito no momento apropriado, lá para setembro ou outubro, renderia óbvios dividendos eleitorais invertendo a lógica de Netanyahu. A contrapartida ao mundo árabe-islâmico seria, como na bem sucedida guerra de George Bush pai contra Sadam Hussein, no início dos 90, uma vez reeleito, um subsequente arrocho sobre Israel para forçar concessões aos palestinos, a começar pelo congelamento dos assentamentos na Cisjordânia, que Obama tentou e não conseguiu.
Parece se configurar uma engrenagem quase perfeita para a guerra. Deus queira que eu esteja enganado e minha análise totalmente furada…
Por isso, amigos, o ano se anuncia um tanto quanto arrepiante.