Marcelo Mirisola*
Teve uma época em que eu acompanhava o blogue de Reinaldo Azevedo com mais interesse. O homem enfrentava os adversários com argumentos incisivos, e uma boa dose de sarcasmo e humor. Jamais refugava. Gosto disso. No episódio em que tive minhas palavras mutiladas por Paulo Markun, no programa Roda-Viva, Azevedo abriu seu blogue para que eu pudesse contar minha versão dos fatos. Decente. A mesma versão que publiquei no site Observatório da Imprensa e no Jornal de Debates. Uma pena que a coisa mudou. Não que eu tenha perdido completamente o interesse: o blogueiro continua ferino e sarcástico, e sempre é garantia de bom entretenimento… mas já não consigo levá-lo a sério, não como antes.
Tudo começou com a foto dele. Pensei: esse cara sabe calcular; ele sabe que os seus desafetos ficarão entorpecidos diante de sua figura: Reinaldo Azevedo – não dá para negar – alimenta um tipo asqueroso, carnívoro. Parece que se diverte. Que sorri para dentro. Para mim foi fácil associá-lo à figura da harpia. Ou melhor: previsível.
A previsibilidade, aliás, é um tributo que os homens entrincheirados pagam para os inimigos na justa proporção das diferenças que cultivam. No caso de Azevedo, há humor, sagacidade, alto poder de destruição, porém jamais surpresa: os movimentos dele são sempre os mesmos, de certa forma, Azevedo é um alvo fácil – porque sabemos quem ele é.
Voltando à harpia. Reinaldo Azevedo meio que personifica, à guisa desse ser mitológico, as tempestades e a morte. Vejam só: a harpia era encarregada de raptar os seres humanos para oferecê-los ao Deus do Inferno (qualquer semelhança com o mundo virtual não é mera coincidência). Homero descreve esse “ser” na forma de uma sereia-harpia.
Reinaldo Azevedo é uma sereia que foi engendrada a partir da cabeça. Uma sereia lógica (às avessas)… como se isso fosse possível. Seduz pelo que tem de repugnante: um ar clerical mezzo hepático, mezzo ap. de 3 dorms. na Riviera de São Lourenço.
Eis que surge o “Tiozinho do Chapéu”.
Ele soube delimitar um território. E eu tiro o meu chapéu para qualquer um que saiba delimitar territórios. Isso pressupõe uma voz, um lugar (ou a simulação de uma voz… de um lugar). Tanto faz. No caso de Azevedo, o que conta – para o bem ou para o mal – é que estabeleceu uma trincheira destoante (embora previsível). Isso não é nada pouco se levarmos em conta a época bundona em que vivemos. Reinaldo Azevedo poderia ter optado por um distanciamento CDF metido a elegante, do tipo Daniel Piza. Ele, afinal, tem ideologia e verniz para isso. Mas, não! Em vez de ser um prosaico coxinha, optou pelo confronto direto. Não dá para negar que Reinaldo Azevedo é um estrategista: o Tiozinho do chapéu.
O problema é que surgiu uma pedra no caminho de Azevedo, cujo nome é bastante conhecido de todos, trata-se do jornalista Luis Nassif, o antípoda.
Se eu dissesse, aqui, que Reinaldo Azevedo o batizou de “ratazana”, estaria correndo um sério risco de ser desautorizado, e até processado. Eis a questão. Por causa desse entrave, o que antes era um jogo de inteligência acabou virando futrica, troca de recados. De ambos os lados.
Nassif publicou em seu blogue uma série de textos intrigantes, “O Caso Veja”: entre uma e outra notícia do mundo do samba (que eu dispenso), ele relata o suposto modus operandi de uma suposta “máfia de jornalistas” que tomou de assalto a redação da revista de maior circulação do país, a Veja.
Dizer que Nassif “desmonta” essa estrutura seria tomar partido de Nassif, coisa que eu sinceramente gostaria de fazer. Eu juro por Deus, queria tomar partido. Mas para isso precisaria que os lados em questão fossem francos, e que também tomassem partido. Como posso confiar num cara que manda recadinhos herméticos para o jornal em que trabalhava na forma de peidos de elefante? Pra começo de conversa: queria saber por que Nassif saiu da Folha de S. Paulo. Foi mandado embora? Uma certa “ratazana” teria cometido falcatruas? Depois de quase 15 anos de jornal, de um dia para o outro, Nassif desaparece, e o jornal não dá sequer uma nota? O que aconteceu, afinal?
Quanto mais Nassif manda recados (publicou em seu blogue a foto de Octavio Frias, falecido publisher da Folha de S. Paulo, dando a entender que “naquela época” as coisas eram diferentes), enfim, quanto mais Nassif fala de elefantes em salas de visita, mais minha desconfiança aumenta… é tudo muito esquisito, e suspeito. O leitor da Folha de S. Paulo teria consumido informações de um “lobista” ao longo de todos esses anos? – quem sugere é Reinaldo Azevedo. Se for isso mesmo, quero tomar partido de Azevedo. É isso mesmo? Seria o caso de acionar o ombudsman ou o Procon?
Uma alma quase isenta diria: “O problema é da Folha. Quando Bernardo Carvalho deixou de escrever, o jornal também não publicou nenhum comunicado”. Ora, a coluna de Bernardo Carvalho não provocava exatamente oscilações no pregão da bolsa de valores.
Enquanto essa situação não for esclarecida, simplesmente não posso confiar nos textos devastadores e implacáveis que Nassif publica em seu blogue. Da mesma forma que não posso acreditar no brilhantismo de Azevedo, uma vez que ele, em vez de nomes, chama os bois pelo apelido. Quem é quem nesse jogo? Quem ganhou e quem está perdendo os processos? Notícias de primeira instância me interessam.
Será que só os advogados é que podem se divertir a essa altura do campeonato? Agora que a chapa esquentou, o leitor vai ficar de fora? Para ser fofoqueiro, palpiteiro e canastrão, eu me basto. Às vezes penso que esses dois blogueiros não têm idéia do tamanho do circo que proporcionam aos seus leitores. E já que não dá para tomar partido, a única coisa que me resta é acompanhar o incêndio no picadeiro, e aplaudir as palhaçadas. A última, impagável, veio do blogue do Nassif.
Lembram da figura do velho canalha vendido a interesses escusos? (Ianques! Cuidado, os Ianques!); então, Nassif o substituiu pelo inocente cavalgado. Isso é muito engraçado.
Nassif é tão previsível quanto Azevedo, aliás.
Às vezes dá a impressão de um Big Brother incontrolável. Leitores enfurecidos de um lado, e de outro. Fla x Flu. Ameaças, injúrias, aulinhas de gramática e lenha nos opositores. Difamações generalizadas (porém, cuidadosamente em suspensão); interesses inconfessáveis, a defesa intransigente da verdade, da honra, das leis e da ordem. Indignação! Exemplos de conduta e civilização acompanham o câncer dos blogueiros e os respectivos desempenhos sexuais. Um coquetel folhetinesco servido à sanha da dona de casa internauta.
Ah, a dona de casa internauta! Essa é a grande personagem: ela participa com dedicação, e tem absoluta convicção de que o seu comentário vai alterar os rumos da eleição norte-americana… as mais modestas empenham-se em derrubar o Lula diariamente. Ah, meu Deus.
Reinaldo Azevedo e Luis Nassif aliciam pequenas multidões para suas causas. Comandam verdadeiros exércitos virtuais. E os soldados os abastecem de futricas, informações confidenciais, dossiês explosivos, estatísticas incontestáveis, citações eruditas e tudo, enfim, que caiba na algibeira ideológica do novo cruzado de um lado, ou do árabe explosivo de outro. Os generais agradecem a colaboração compungidos, exortando os fiéis a continuar na luta. Eita!
E eu me divirto. Nunca dei tanta risada como na ocasião
Nassif, claro, deitou e rolou. Quando abri os comentários no blogue de Nassif, achei uma pérola. Um internauta dizia mais ou menos que tinha pena de Mario Sabino porque ele “confundia a atividade executiva com imortalidade”… em seguida, o internauta traçou algo parecido com um perfil psicológico do escritor-editor, e diagnosticou “problemas primários de vaidade não correspondida”… ah, meu Deus… estou me contorcendo de tanto rir, e encerrava o comments dizendo que “nem Kafka, em seus delírios mais febris de rejeição”, enviaria uma carta aos seus leitores para provar que era o maior de todos… resultado, segundo o internauta: Sabino era “uma fraude como executivo, e um mico como escritor”.
Isso é muito engraçado. Suponho que a dona de casa e leitora da Veja deve ter estrilado e, é claro, imediatamente acionado seu blogueiro de confiança, cobrando reações imediatas. O Tiozinho do Chapéu corresponderia lavando a honra de Mario Sabino, o maior autor da língua portuguesa desde Camões, mas sobretudo lavaria a honra da dona de casa inconformada, e das amigas do Clube Pinheiros. Previsível, folhetinesco. Não dá pra levar a sério.
Quando Reinaldão Azevedo ficou amiguinho do “maconheiro” e “depravado” Gerald Thomas, algumas fiéis não perdoaram o deslize e ameaçaram abandonar o blogue. Oóóóóó. E agora? Fico pensando com meus botões: quem é que vai dar chutes e pontapés nas viúvas de Azevedo? Aliás, o sadomasoquismo explícito e doentio é moeda corrente no blogue do Tiozinho do Chapéu. Ele adora disciplinar e chutar traseiros (e usa a lógica, e a ética e a moral e os bons costumes, para penabundear os incautos que atravessam seu caminho). Assim conseguiu transformar o porra-louca Gerald Thomas num filho de Maria, isso é genial. Nassif faz a linha Vila Madalena, técnico-estatístico-ódoborogodó.
Teve um internauta que, a partir da foto postada por Nassif, chamou Mario Sabino de Tio Chico das letras. Tive câimbras de tanto rir. Não dava para negar, realmente o maior escritor do Brasil, inspirava… nada mais nada menos que… a carranca ameaçadora de Tio Chico! Aquele mesmo da família Adams! Seria assustador se não fosse absurdamente ridículo, e engraçado.
Já pensaram? As faces do mal. O Tiozinho do Chapéu e Tio Chico. Os dois tiozinhos, lá na torre do edifício Abril, arquitetando maldades inomináveis contra o direito dos fracos e oprimidos. Às margens da poluída marginal do rio Pinheiros. Um céu escuro cortado por trovões mefistotélicos. Cabrum!!
De qualquer forma, a foto tenebrosa coincidiria com os métodos de Mario Sabino – quem diz é o Nassif, hein? – de cavalgar subordinados. Segundo a lógica hípica de Nassif, o terceiro do eixo maléfico, Diogo Mainardi, seria cavalgado por banqueiros suspeitíssimos e defenderia interesses cabeludos de lobistas ameaçadores, e numa escala hierárquica de ferreiros e ferrados, a coisa descambaria para Jerônimo Teixeira, o boca maldita da Veja, ele mesmo, Jerônimo Teixeira: autor de um livro chamado Pedacinho de Céu (uiii que medo), essa fera temida pelo stablishment cultural brasileiro – diz o Nassif – seria cavalgada por Tio Chico em pessoa. Que, embora cavaleiro e adestrador dos mais implacáveis, não escaparia de oferecer o próprio lombo para algum figurão imediatamente acima dele, e assim por diante.
Ninguém estaria livre de cavalgar e ser cavalgado por uma estrada nada colorida. Nesse exato momento alguém estaria cobiçando a próxima garupa, talvez o lombo de Carlos Graieb, ou do pônei Miguel Sanches Netto: esse, coitado, deve ter ouvido o galo cantar, mas não sabe exatamente sobre qual costado.
As teorias eqüestres-conspiratórias de Luis Nassif realmente são muito divertidas, e até o José Padilha, cavalgado pelo Urso de Ouro, não escaparia dessa maldição. Os últimos cavalgados da lista, seguindo essa lógica delirante, seriam os incautos e ingênuos leitores da revista Veja, é um circo ou não é?
Definitivamente, esses blogueiros – talvez sem saber? – são os responsáveis diretos pela volta triunfante e pela inclusão irrevogável de Arrelia e Carequinha no debate nacional. Tem goiabada? Tem sim, senhor! Tem marmelada? Tem sim, senhor! E o palhaço, quem é?
*Marcelo Mirisola, 41, é paulistano, autor de O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros. Publica em revistas, sites e jornais de todo país. No prelo, Proibidão (Editora Demônio Negro).