Renata Camargo
A Casa Civil vai encaminhar ao Congresso nos próximos dias uma proposta para amenizar um “barril de pólvora” que nos últimos anos vem causando sérios conflitos agrários no estado de Rondônia. A Floresta Nacional (Flona) Bom Futuro, unidade de conservação federal localizada próxima à capital, Porto Velho, terá parte de seu perímetro remarcado, o que possibilitará que áreas ocupadas ilegalmente dentro da floresta sejam regularizadas.
Uma permuta de áreas entre o governo estadual de Rondônia e a União fará com que os mais de quatro mil habitantes que vivem hoje dentro da unidade de conservação possam permanecer no local. Segundo o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), Rômulo Mello, o governo de Rondônia deve ceder para o governo federal cerca de 180 mil hectares de áreas protegidas estaduais, enquanto a União desafetará 140 mil hectares da Flona Bom Futuro.
“Ao longo dos últimos 15 anos, a flona foi sendo invadida, grilada e totalmente ocupada. No momento em que fizemos pressão para desocupá-la, veio um movimento social muito grande no sentido de que aquela área deixasse de ser unidade de conservação”, diz Mello. “É um acordo que se faz num momento de dificuldade, o ideal seria que não tivesse acontecido. Vamos ver se no futuro não se faz dessa forma”, considera.
O governo federal ainda não definiu se a proposta virá para o Congresso em forma de medida provisória ou projeto de lei. O texto final também não foi fechado. Segundo Rômulo, o ponto de divergência está nos limites nortes da unidade e na definição de limite de floresta estadual a ser cedido para a União.
“Em função do desenho que será dado à floresta a partir da área estadual, pode haver perda de conservação. Pedimos mais 60 mil hectares para o governo de Rondônia e fizemos novas recomendações. A bola agora está com o governador Cassol”, disse Rômulo, se referindo ao governador de Rondônia, Ivo Cassol (PPS).
Devastação
A Flona Bom Futuro, com 280 mil hectares de área, foi criada em 1988. O perímetro é considerado a unidade de conservação mais destruída do país do ponto de vista ambiental e uma das mais afetadas por conflitos agrários. De acordo com o relatório O Fim da Floresta?, do grupo de trabalho amazônico em Rondônia, a flona permaneceu totalmente intacta até 1995. A partir de 2000, teve início um processo intenso de grilagem de terras, que resultou em mais de 32% da floresta devastada e toda uma estrutura urbana dentro da área inicialmente destinada à preservação.
“Esse acordo beneficiará os grandes e os invasores de terra. Essa proposta é um incentivo à invasão. Se o presidente Lula sancioná-la, ele estará simplesmente dizendo que é só invadir unidade de conservação, que depois sua terra grilada vai ser regularizada. O Ibama não conseguiu tirar as pessoas da unidade porque tem um monte de político safado que ficou incentivando a ocupação”, protestou a coordenadora-geral da Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé), Ivaniede Bandeira.
Em 2004, a Justiça obrigou o Ibama, Incra e governo de Rondônia a retirar os ocupantes da área. Os pequenos posseiros que se encaixassem no perfil de beneficiados por programas de reforma agrária deveriam ser assentados pelo Incra. Mas uma forte pressão social, incentivada por políticos, impossibilitou a desocupação da área. “Houve também uma fragilidade histórica do Ibama nessa questão. Temos que fazer um mea culpa nas dificuldades institucionais”, disse o presidente do ICMBio.
Rômulo conta que, a partir de operações para combater crimes ambientais, aumentou-se também a pressão social para que as posses invadidas fossem regularizadas. Os conflitos foram se agravando, resultando em confrontos diretos como o ocorrido no último mês de dezembro. Na ocasião, moradores do município de Buritis, localizado dentro da flona, entraram em confronto direto com as agentes da Força Nacional de Segurança e a Polícia Federal, que estavam no local em operação para apreender madeira ilegal.
“O Estado brasileiro foi absolutamente displicente em termos de fiscalização. E houve também muita corrupção. A situação é grave e irreversível. Hoje vivem lá cinco mil pessoas, com escolas, igreja, comércio e tudo mais. A floresta parece uma feira”, afirma o deputado Moreira Mendes (PPS/RO). O parlamentar acredita que a discussão sobre o tema no Congresso não será fácil.