Édison Freitas de Siqueira*
Nos últimos dias, por meio de decisões e manifestações dos mais importantes membros do CNJ, do STF e do STJ, ficou comprovada a preocupante tendência do Judiciário em permitir interpretações permissivas da lei, de modo que os direitos dos indivíduos e empresas sejam vistos e julgados com menor eficácia do que os interesses de Estado ou de grandes empresas nacionais.
A democracia, regime alicerçado no direito de livre escolher, votar e eleger os representantes do povo, é a forma pela qual se protegem os interesses da coletividade, segundo um sentimento da maioria. A lei, por sua vez, elaborada pelos representantes eleitos no processo democrático, possui propósito mais específico, pois visa proteger os interesses individuais e das minorias contra a força dos mais poderosos e do próprio Estado.
Estes são ideais consagrados desde a Revolução Francesa, em que: Nem reis, nem o Estado, são isentos de responder por quaisquer violações aos direitos dos indivíduos.
Ministros, desembargadores e juízes, além dos membros dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, não possuem autorização constitucional para relativizar. Cabe a eles fiscalizar e fazer cumprir o disposto objetivamente na lei. Por isso que ao Judiciário a Constituição assegura total independência em relação aos poderes Executivo e Legislativo. Diferente disso, o Judiciário seria mero co-autor e cúmplice de outros poderes, afastando o sentimento de segurança que é obrigado a devolver à sociedade organizada.
A relativização das decisões judiciais tem afetado sobremaneira toda sociedade brasileira.
Não por outra razão que nossos jovens sonham em sair do país e nossos empresários vendem suas empresas para investir em países onde haja maior estabilidade e segurança jurídica.
Prova dessa deformação institucional é o relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça na última semana do mês de março, em que o senhor Fernando Marcondes, secretário-geral do CNJ, trouxe a público um relatório assustador. Nele estão relacionados levantamentos que comprovam que o governo brasileiro (o Estado), representado por suas autoridades, pelas empresas privadas que ele controla direta ou indiretamente, ao lado de instituições governamentais e dos poderosos bancos, são os maiores réus das ações judiciais em trâmite no país, o que os torna responsáveis, por conseguinte, pela existência dos milhões de processos que congestionam e prejudicam o trabalho dos tribunais.
O CNJ foi ainda mais contundente quando apontou que, do total das ações judiciais existentes, 51% envolvem o Estado, comprovando que as autoridades governamentais, pela pouca eficácia que as decisões do poder Judiciário encontra, estão estimuladas a descumprir leis e violar direitos de forma impune. Outro dado assustador apresentado no relatório é o que atestou que, ao lado do governo, são os poderosos bancos brasileiros responsáveis por 38% do total das ações sob cuidado do Poder Judiciário. Ou seja, o governo e os bancos obrigam que 89% dos ministros, desembargadores, juízes, promotores e funcionários do poder Judiciário trabalhem quase que exclusivamente para eles, em prejuízo e contra os interesse do restante da população e das empresas brasileiras.
Não se justifica que o poder Judiciário, por meio de decisões do STF e do STJ, edite ou reforme súmulas e decisões judiciais, que acabam por favorecer os maiores violadores das leis e dos direitos individuais.
Exemplos:
(1) A ministra corregedora Eliana Calmon, importante membro do CNJ e do STJ, tem relativizado a lei com seus votos e decisões monocráticas que tornam legítima a absurda prática de condenar pessoas, empresas e agora advogados, que interponham recursos judiciais previstos legalmente, quando em quase 99% dos casos, a defesa interposta é contra governos e bancos, os mesmos que são os maiores infratores da legislação brasileira.
(2) No STF, na primeira semana de abril, três dos seus mais eminentes ministros, Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, defenderam em seus votos – favorecendo ao governo, maior cliente do Judiciário – a tese de que até as decisões de última instância transitadas em julgado podem ser revista e “relativizadas”. A lei vale pelo que nela está expresso.
(3) A “relativização” da vontade da lei, quando acontece, serve até para que juízes soltem presos condenados aos milhares, ao invés de darem eficácia a suas decisões para obrigar as autoridades públicas a construírem os presídios e albergues necessários para manter os criminosos longe do convívio de suas vítimas.
É imoral, inconstitucional e até temerário, aceitar o argumento de que o governo e os bancos tudo podem fazer.
– Deus proteja nossos ministros, desembargadores e juízes!
*É presidente do Instituto de Estudos dos Direitos dos Contribuintes. efs_artigos@edisonsiqueira.com.br (www.edisonsiqueira.com.br).