Amigos, tenho sobre a mesa um tema que merece toda a atenção de quem vive o dia a dia dos concursos públicos, seja como educador e empreendedor – o meu caso –, seja como concurseiro que disputa uma vaga com denodo e até mesmo grandes sacrifícios pessoais. O tema surgiu de um caso em que ficou evidente a discriminação do Estado contra candidato aprovado em todas as etapas de um concurso público, exceto no exame médico. O detalhe é que o candidato foi considerado inapto não por sofrer de alguma doença que o impedisse de exercer as atividades do cargo para o qual fora aprovado ou que de alguma forma pudesse prejudicar seu desempenho como servidor, mas simplesmente, acreditem, devido ao sobrepeso!
No episódio, ocorreu clara afronta aos direitos do cidadão, assegurados no artigo 5º da Constituição. O ato também vai de encontro à natureza democrática que a Constituição de 1988 atribuiu ao instituto do concurso, que se tornou das principais formas de construção de um serviço público digno e sem preconceitos, seja de que natureza for.
Esta é uma das características do concurso público que considero mais importantes: nenhum edital pode prever discriminação de sexo, idade, raça, religião ou de qualquer outra natureza entre os concorrentes. Entretanto, a carta de um ex-aluno que chamaremos apenas de Edson mostra uma outra realidade no Estado de São Paulo. O que ele nos conta é um daqueles absurdos difíceis de acreditar, mas que, infelizmente, ainda ocorrem no nosso país, por arbítrio dos responsáveis pela organização de alguns concursos. Nada melhor, para se ter uma ideia da situação, do que reproduzir a narrativa do próprio Edson, vítima do abuso:
“No início do ano, resolvi prestar o concurso de Agente Fiscal de Rendas TI (Tecnologia da Informação) do Estado de SP. Concurso dificílimo, 22 matérias, concorrência fortíssima. Logrei êxito, tendo sido classificado nas primeiras posições. Fui várias vezes a São Paulo, escolhi lotação, procurei apartamento para locar… No dia 31/08 fui nomeado e nessa mesma data passei pela perícia médica com o fito de aferir minha capacidade laboral para o cargo (meramente intelectual) em específico. Quando da perícia, a médica informou que por conta do meu IMC 44 (Índice de Massa Corporal), meu caso deveria ser avaliado por uma junta médica. Fiquei estupefato, pois já havia sido aprovado em três perícias médicas no nível federal para cargos de natureza similar sem nenhum óbice (atualmente sou Analista de Informática do Ministério Público da União, lotado no Departamento de Tecnologia da Informação do MPDFT).
Nos momentos de aflição, entre a perícia e o resultado, em rápida pesquisa na internet, verifiquei que são recorrentes os casos de obesos barrados no serviço público paulista. Mais: vários juízes mantém o arbítrio, informando que ‘gordos não possuem boa saúde’ e, por consequência, serão nocivos à eficiência tão necessária aos serviços públicos. Ficarão continuamente de licença, onerando os contribuintes. Diante desse cenário, já esperava pelo pior.
Pois bem, foi publicado o resultado no DOE SP (Diário Oficial), a saber: ‘não apto’. Detalhe: não havia previsão no edital sobre faixa de IMC aceitável, tampouco existe lei que o faça. Ora a lei, ora o edital, por arbítrio nada é necessário além da vontade de excluir um grupo minoritário.
Ninguém duvidará que hoje somos um grupo altamente discriminado. Pior, aparentemente, não temos ninguém para nos defender. Quedamos à própria sorte. Não há uma ONG cuja finalidade seja defender obesos (pelo menos não encontrei). Ademais, onde estariam todos aqueles que têm como finalidade defender as minorias?
Já havia planejado fazer minha segunda graduação, o curso de Direito. Não sei se ainda o farei. Talvez quando venha a fazer o exame, a OAB também já esteja barrando advogados obesos. As coisas começam pequenas e vão crescendo. Quando nos damos conta, já não apenas arrancam uma flor do nosso jardim.
Hoje, sinto-me, dentro do meu próprio país, como um judeu na Alemanha no início do nazismo. Cidadão de terceira categoria.
Pois é, professor Granjeiro. Atualmente exerço cargo público de natureza similar, então, das duas uma: ou tenho capacidade laboral e devo ingressar no serviço público paulista ou não tenho capacidade laboral e devo ser aposentado por ser portador de moléstia incapacitante. Completo absurdo. Desculpem pelo desabafo.”
Meu caro Edson, você não tem de pedir desculpas a ninguém. Quem deveria fazê-lo são os responsáveis por sua reprovação no exame médico, totalmente desamparada de qualquer base na legislação sobre concursos e muito menos sobre o serviço público. Não sei se você já recorreu à Justiça, mas, se ainda não o fez, deve agir imediatamente. Faça isso, a despeito da posição contrária do juízes paulistas, como você constatou em sua pesquisa, pois nas instâncias superiores o pensamento jurídico pode ser diferente. Não desanime. Lute por seus direitos, pois só assim a situação poderá ser revertida.
Agora imagine você, leitor amigo, se os concursos reprovarem todos os que estão acima do peso: 51% da população brasileira. Imagine ainda que a Administração tenha de exonerar todos os servidores que estiverem acima do peso. Sobrarão poucos. Apliquemos a mesma regra a militares, políticos, magistrados e outros, e, por certo, serão abertas muitas vagas no serviço público brasileiro.
Se há uma certeza, é esta: obesidade não pode ser fator de reprovação de candidato no exame médico, como aconteceu com nosso colega Edson. O edital do concurso que ele prestou não previa essa possibilidade simplesmente porque não existe amparo legal para tal exigência nas normas que regem o serviço público, em especial a Lei 8.112, conhecida como Estatuto do Servidor Público.
O episódio ressalta, mais uma vez, a necessidade de aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei do Senado nº 74/2010, que cria a Lei Geral de Concursos Públicos. Quando estiver valendo, a nova lei impedirá a ocorrência de aberrações como essa que vitimou Edson, na realização dos certames para a seleção de pessoal para carreira federal. O projeto foi iniciativa nossa, por meio do Movimento pela Moralização dos Concursos (MMC), que teve como relator o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-/DF). A proposta já obteve aprovação da CCJ – por unanimidade – e pelo plenário daquela Casa legislativa. Hoje aguarda votação na Câmara.
Sua história, caro Edson, me faz lembrar um pensamento de um dos grandes personagens da história dos Estados Unidos, o empreendedor do século XIX Andrew Carnegie, construtor de ferrovias que ajudaram a tornar o país a potência que é hoje. Certa vez, ele disse:
“Ainda não encontrei homem algum bem-sucedido na vida que não houvesse antes sofrido derrotas temporárias.”
Carnegie estava certo. É nas derrotas que comumente se tiram lições para futuras vitórias. Eu lhe desejo boa sorte. E tenho certeza de que, com essa determinação e a consciência de que estará travando o bom combate, do lado da justiça e do Direito, você alcançará a vitória e poderá, enfim, assumir o seu tão desejado e merecido feliz cargo novo!